“Gracias”, Fidel.

Em sua carta-testamento de suicida, Getúlio Vargas – líder populista e amado pelo povo, ditador reconduzido ao poder em eleições livres – anotou: “Saio da vida para entrar na história.” Fidel Castro, após 49 anos como líder e ditador de Cuba – amado e reverenciado por cubanos e por toda uma geração que o viu surgir em Sierra Maestra – deixa o poder. E apenas confirma o seu ingresso na história. Pois Fidel Castro é história. E ninguém, como ele, na América Latina, é e foi a história da própria “latinamericanidad” do Século XX.

De minha parte, confesso não ter mais idade para sofismas, simulações e dissimulações, essas falsetas e falácias que são parte da arte da política. A vida deu-me o direito, após essa minha já longevidade profissional, a fazer escolhas e a não recear pressões dos tais ciclos de “pensamento único” que variam conforme os interesses de ocasião. Ora, na maioria das vezes, usam-se o nome e os valores da democracia apenas para defender interesses econômicos, hoje ditos “de mercado”. Não se trata de liberdades democráticas em jogo, mas de economia livre de mercado, essa liberdade para os mais fortes, a ausência cada vez maior de governos para a atuação cada vez mais ampla do governo dos bancos mundiais. Quer-se não a liberdade dos povos – um ideal quase utópico dados os múltiplos conceitos de liberdade, desde a ordem física até a espiritual – mas se insiste, sim, na liberdade de mercados, nessa “abertura de portos” que, no Brasil, a Inglaterra impôs desde quando D.João VI chegou, eis que o capitalismo comemora o fato de isso ter acontecido há 200 anos, agora em 2008.

Fidel foi um ditador? Foi. Fidel teve momentos de sanguinário? Teve. Fidel comandou com mãos de ferro? Comandou. Mas há centenas de ditadores espalhados pelo mundo, centenas de governantes sanguinários, alguns deles até mesmo falando em nome de Deus, de valores ocidentais e da democracia, como George Bush e o governante de plantão na Inglaterra. Há poucos minutos de quando escrevo, ouvi e vi o Senador Jereisatti, do PSDB e coronel modernizado do Ceará, falando de liberdades democráticas, de tiranias e de mortes. Esse mesmo Jereisatti nasceu, politicamente, e cresceu, economicamente, à sombra dos militares também tiranos e sanguinários do Brasil. É essa gente que, em nome da economia de mercado, demoniza Fidel Castro, que não é, não foi, jamais poderá ser tido como santo. Mas que foi, é e continuará um ícone, um símbolo e um herói imortalizado pela história.

Estou com o coração latejando diante da despedida de Fidel Castro. Não mais pelo que ele significa, não pelo que ele fez em 49 anos como “comandante” de Cuba – mas pelo que ele representa para minha geração, pelo que ele tem de quase idílico e de profundamente romântico em minha vida. Eu amo Fidel Castro da mesma forma como ainda amo Che Guevara e como amo os Beatles e os Rollings Stones. Guardo no meu coração a imagem de Fidel, Chez e Cienfuegos desfilando pelas ruas de Havana, após a fuga de Fulgêncio Batista, esse homem que foi capacho e ídolo dos poderosos encastelados na United Fruits.

Naquele revéillon, nos meus 18 anos de idade, eu estava – com inesquecíveis amigos da juventude – festejando a vitória dos barbudos de Sierra Maestra, dos heróis guerrilheiros, dos jovens que haviam vencido o mundo, então representado pelo poder político e pelo poder econômico. Fidel Castro e seus barbudinhos provavam a força e a vitória do poder ideológico, a vitória das idéias e das convicções. No Bar Giocondo – que deveria ter sido tombado como templo do idealismo e da rebelião da juventude piracicabana – tomamos Cuba Libre até o sol raiar.

Fidel Castro provou, à minha geração, que o sonho era possível. O que houve depois, John Lennon, de cansaço, renegou: “O sonho acabou.” Mas não acabou. Fidel sai de cena e se confirma na história. Presto-lhe meu preito de gratidão. Com ele, na juventude, fortaleci-me no sonhar. Não se há que falar em fracassos ao se enfrentar tantos anos de boicotes econômicos. Também essa resistência é histórica. Dez presidentes dos Estados Unidos foram vencidos. Um Davi venceu dez Golias. Valeu, pois, a pena. “Gracias”, Fidel.

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