A vitória da Montanha dos Sete Abutres

Montanha dos Sete AbutresQuando ocorreu a tragédia do soterramento dos mineiros chilenos, o mundo se deparou, também, com um verdadeiro espetáculo televisivo, um atrativo jornalístico. Todos os veículos esforçaram-se ao máximo para manter o nível de audiência, estimulando novas situações, criando hipóteses e possibilidades, até mesmo retardando informações. A notícia se transformou em espetáculo. E, hoje, desastres, acidentes, tragédias passaram a ser parte do nosso cotidiano, como parte integrante do entretenimento.

Não me esqueço de quando terroristas atingiram as Torres Gêmeas em Manhattan. Foi ao meio da manhã e eu estava escrevendo, recolhido a meu canto. Um amigo me telefonou, sabendo que eu não deveria estar diante da tevê, como não estava. Excitado, ele me dizia da tragédia, apressando-me a ligar o aparelho. Liguei. Vi, então, o avião atingindo a torre. Não dei importância, pensando tratar-se de filme de ficção. Passei para outro canal. A mesma cena. E, em outros, aquilo se repetia. Foi, então, que me dei conta: não era ficção, mas a transmissão ao vivo de uma tragédia assustadora. Ao vivo e em cores, a tragédia era apresentada e, ao mesmo tempo, se transformava em espetáculo.

Estou querendo dizer que, atualmente, está cada vez mais difícil, em noticiários eletrônicos, saber onde começa ou termina o espetáculo, como se ambos estivessem irremediavelmente ligados. A notícia, mais do que informação, reveste-se, agora, de requintes cinematográficos, como se houvesse deliberada maquilagem para aprisionar a atenção e a curiosidade dos espectadores. Adiam-se informes para levar a audiência até “o próximo bloco”. As técnicas de aumento ou de preservação de audiência são cada vez mais requintadas e, em meio a essa confusão entre virtual e real, perde-se o sentido do verdadeiro e, até mesmo, da dimensão dos acontecimentos. Mais vale, ao que parece, o glamour da notícia do que ela própria.

O cinema tem sido pródigo em analisar e apresentar, com nudez muita vezes cruel, os bastidores dessa arte de manipular a informação, de seduzir o povo, de elevar os níveis de audiência. Em meu entender, há, em especial, três grandes filmes que podem ser tidos como clássicos dessa análise estrutural. São eles, “O Homem que matou o facínora”, “Cidadão Kane” e “Montanha dos Sete Abutres”. De “Cidadão Kane”, obra prima de Orson Welles em 1941, a ficção repete a vida real ou serve de modelo, ao mostrar o poder de um magnata das comunicações, William Hearst. Não são apenas coincidências as semelhanças com o falecido Roberto Marinho ou o atual todo poderoso detentor do oligopólio mundial das comunicações, o australiano Rudolph Murdoch.

Em “O homem que matou o facínora”, de John Ford (1962), o duelo de interpretação de James Stewart e John Wayne é apaixonante. Trata-se do mais completo western já produzido, conforme opinião quase unânime dos principais analistas de cinema. Mas passaria para os anais do jornalismo a frase que o velho dono de jornal, em sua experiência e cinismo, oferece como lição a um de seus repórteres: “Quando a lenda é maior do que o fato, publique-se a lenda.” Ou seja: se a versão for mais interessante ou trouxer mais efeito do que o fato, publique-se a versão. O presidente Lula tem sido vítima disso. E a presidente eleita Dilma Roussef, também. O que nos leva apenas a aguardar o que virá pela frente.

A grande lição de manipulação e de exploração de acontecimentos para efeitos políticos ou comerciais nos chega, penso eu, de outro clássico do cinema: o filme de Billy Wilder, de 1951, na notável interpretação de Kirgk Douglas, “A Montanha dos 7 Abutres”. Quem assistiu ao filme e viu as cenas dos mineiros do Chile não conseguirá dissociá-los. A tragédia, transformada em espetáculo, assume importante função comercial. Pelo que temos visto, está absolutamente vivo o Cidadão Kane, a lenda tem sido divulgada no lugar do fato verdadeiro e cada noticiário de tevê, capa de revista ou manchete de jornal revive a Montanha dos 7 Abutres. O espetáculo é mais importante do que a informação. Bom dia.

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