Professores, neoliberalismo e amor

picture.aspxPor discordar da selvageria do mercado capitalista, sempre há quem me pergunte se sou socialista. Quem me dera! Mas qual dos socialismos, tantos que se confundem uns e outros? Saber de poucas teorias políticas não basta: na prática, a coisa é outra. Ora, no meu oceano de dúvidas, nem respostas mais as procuro. Penso em Agostinho, confessando-se a si próprio: “Tornei-me, para mim mesmo, uma pergunta.”

Ora, tal como posto, o capitalismo – travestido de neoliberalismo, e qualquer concepção materialista de vida – destrói a alma humana. Pode construir ciência, tecnologia, desenvolvimento. Mas sem alma. A própria democracia liberal assenta-se no egoísmo. E, por isso, impede a justiça, a moralidade e a liberdade de disciplinar a acumulação de bens. As próprias leis – nascidas desse ventre -destinam-se à proteção do alto da pirâmide. As últimas informações sobre a acumulação de riquezas no Ocidente confirmam a crueldade secular.

No capitalismo, o egoísmo é de tal forma intrínseco e genético que nem o amor consegue sobreviver. Raízes da tragédia de amores e de uniões, deveríamos buscá-las no sistema e não em pessoas. Nos anos 1960, o escritor Cláudio de Araújo Lima – no livro “Amor e Capitalismo” – dissecou as vísceras da questão. De tão óbvias e simples, as constatações pareciam absurdas. Mas tudo se confirmou.

O próprio surgimento dos edifícios verticais, os apartamentos, revelava a pressão do capital sobre o amor, incluindo o conjugal. Inventaram-se os elevadores para resolver problemas de espaços, especialmente na ilha de Manhattan, de horizontes limitados. A voracidade capitalista, diante dos êxitos econômicos, introduziu-os em países, como o Brasil, de horizontalidades por assim dizer ilimitadas. Paredes finas, privacidade interrompida, quartos colados aos de vizinhos – viver como que em celas tornou o amor silencioso, preso a sussurros, contido por dentes cerrados. A alegria do encontro se transformava em angústia da contenção.

O capitalismo exige o sucesso. Esse, o grande paradoxo: a sociedade ocidental cristã – cujo homem-deus é derrotado para anunciar outro reino – mata a própria alma para ser vitoriosa aqui e agora. Homens e mulheres disputando posições, comandos, desfigurando-se em busca do êxito fugaz. Vidas sem sentido fora do trabalho, solitárias ainda que vivendo nas mesmas casas e cercadas dos mesmos filhos. Vidas amargas de insatisfações na carne e no espírito, apesar de contas bancárias recheadas, casas à disposição na cidade, praia e montanha, automóveis entupindo as garagens, guarda-roupas inchados de roupas e sapatos não usados. Isso somos nós.

O amor, se existe, é solidário. Mas o capitalismo, exigindo resultados, fortalece o voluntarismo. Ora, em lutas pelo poder, um ator quer a submissão do outro. Por isso, entre eles, o amor faz-se insuportável, pois é rebelde, à margem de esquemas. Por não ser parte daquilo que foi negociado, o amor é ameaça à produção. Se não há seres livres na vida social – pois enquadrados por regras e leis – a única possibilidade da liberdade humana está na vida interior. E isso é um problema para o mundo: no interior do ser humano, está a morada do amor.

Tiranias – sejam quais forem, de religiosas a econômicas – não suportam e não admitem o amor. Triste é constatar que as pessoas, quase sempre, despertam quando já se esgota o tempo para amar. Para, então, ver que pouco restou senão aguardar o amargo fim, a certeza triste de ter vivido inutilmente.

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