A graça dos bichos

Cada qual inventa a sua própria história para explicar a vida. Não interessa se tem fundamento lógico ou não. Mesmo porque, na realidade, a vida não precisa de explicação e nem sua razão de ser. A vida é. E só. Para alguns, um mar de lágrimas; para outros, um presente inavaliável. Saber viver é, antes de mais nada, uma arte. Nem todos, porém, são artistas. Preferem tentar que o infinito caiba na finita razão.

Pois bem. Tenho – cá comigo – minha forma de explicar a vida. Toda fantasiosa, toda do mundo da carochinha. Começa, então, que acredito em Deus. Não sei qual, como é, onde está, mas acredito. Afinal de contas – como tentou explicar Tomaz de Aquino, sei lá se foi ele mesmo – “o relógio pressupõe a existência do relojoeiro”. Aliás, tenho confessado – sem ser maçom – que a mais encantadora denominação de Deus está, para mim, no ensinamento da Maçonaria: o “Arquiteto do Universo”.

Isso posto – tendo a necessidade de acreditar em Deus para dar vôos à fantasia – invento, para mim, que ele, por não ter nada para fazer em sua dimensão infinita, ficou infeliz com a solidão e, para brincar, criou o Universo. “Vamos ver no que dá.” – teria resmungado ele. E foi inventando e inventando. E encantando-se com sua própria arte: luz, água, matas, estrelas, sóis, luas e luares, animais. E o homem. Acho, porém, que, ao criar o homem, Deus já estava cansado e errou a fórmula. Tanto é que, depois de fazer tudo, ele descansou no sétimo dia. E continua descansando.

O homem, então, se tornou resultado de um cochilo de Deus, de um erro que propiciou a entropia, essa desordem. E se tornou a mais fantástica criação, de tal forma complicada, confusa, contraditória, uma capacidade inesgotável de, ao mesmo tempo,ser médico e monstro, cruel e generoso, belo e feio, adorável e repugnante. Não sei explicar porque Deus não tirou o homem do cenário perfeito que criou, já que foi uma nota dissonante. Acredito, porém, nessa minha maneira de explicar a vida, que Deus – por ter espírito brincalhão – quis provar de sua própria experiência: “Saiu errado, mas vamos ver no que dá.”

O homem não foi, portanto, nada mais do que um outro entre tantos bichos. Era e é o primata. Que tinha – e que tem – porém, alguns parafusos a mais ou a menos no cérebro e se percebeu diferente de seus irmãos, os outros animais. Diferente e pretensioso. Alguém – algum dia – inventou que o tal primata era feito à imagem e semelhança de Deus. Então, foi a vez de o homem inventar o seu próprio Deus, de tal forma também esquisito que ele, homem, poderia ser igual. E, daí, fazer o mundo a seu jeito, conforme seus apetites, ambições, desejos. E o homem brincou – e brinca – de ser esse deus que ele próprio inventou. Basta um pequenino naco de poder e eis que o humano se julga Deus, apesar de ser apenas reizinho de sua barriga.

Penso nisso cada vez que amigos e prestadores de serviços chegam à minha casa, atravessando o jardim. Nas árvores – já contei isso – surgiram sagüis, certamente expulsos de áreas devastadas, e lá fincaram morada. São sempre quatro ou cinco. Vão crescendo, multiplicando-se, os mais velhos se afastam, como se dando espaço para os novinhos. O cotidiano de minha casa tem seu lado preferencial nas refeições dos macaquinhos. Eles já comem nas nossas mãos. Descem pelas árvores, aninham-se nos vasos á espera da banana, apenas a nanica, que outras eles não aceitam.

Então, os que vêm da rua chegam emburrados, tristes, cenhos franzidos, amargos. Ao verem os macaquinhos, como que se assustam, mal acreditando. E se vão relaxando, assossegando-se, sorrisos nos lábios, fazendo sinais e emitindo sons como se fossem crianças. Os homens, que perderam a graça, alegram-se e divertem-se com a graciosidade dos bichinhos. E estes, os macaquinhos, ficam acuados, com medo do irmão-homem que chegou.

Pois é. Quando bichos são mais interessantes do que os ditos humanos, precisaríamos parar e pensar. De minha parte, tenho pensado. Para mim – tentando compreender as coisas – Deus cochilou e errou. Deu no que deu. Mas o criador continua descansando. Não quer consertar. Bom dia.

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