Contando histórias

Perguntam-me, alguns amigos e leitores, a razão de meu distanciamento da atividade política, como observador e crítico, cá em nossa terra, também no cenário de nosso país. A resposta é mais simples do que parece: descrença. Não tenho mais em quê ou em quem acreditar num tempo de pantagruélicos apetites individualistas.

Movimento é mudança. Como os seres vivos movimentam-se, todos eles mudam. E mudança tem sabor de tragédia. Porque desestabiliza, tira sossegos, exige posicionamentos ou obriga a inércias. E, diante da tragédia inelutável, fica o desafio: o movimento promove mudanças para pior ou para melhor? Nesse cenário, há que se posicionar o homem.

Evitei tocar neste assunto. Mas vi, quando menos esperava, meu universo pessoal ser, todo ele, invadido, agredido, violentado. Eram pobres moços, destruídos por drogas, sem qualquer noção moral. Queriam roubar para comprar drogas. E, para consegui-lo tinham, também, sede de sangue. Para mim – a eles submetido naquelas horas de perplexidade – não os vi como bandidos, nem como imorais. Neles, estava impressa a amoralidade de um tempo, de uma época. Os rapazes, fazendo-se agressores, não sabiam distinguir certo de errado, bem de mal, bom de mau. Foi-me uma experiência pessoal totalizante. Pois vivi a teoria na prática. E – num outro momento especial de acerto de contas comigo mesmo – limpei-me de equívocos e entrei, por fim, na reta final que tanto procurei. É um outro e novo, o papel que me reservou a vida. Não tão diferente de quantos já vivi. Mas mais maduro e, talvez, o definitivo.

O movimento de ter sido assaltado provocou mudanças em mim. E acho que para melhor. Pois movimento é algo autônomo, causa que provoca efeitos bons ou maus, dependendo da compreensão dele. Ora, o movimento não acontece em linha reta, algo previsivelmente linear. Movimento tem vida própria e se dá em círculo. Logo, sem início e sem fim. O homem é jogado ao turbilhão de uma espiral, o subir e descer, precisando descer para subir,na subida que leva à descida. É esse ir e vir que explica a vida. Pois se se paralisa, se a espiral termina, estamos diante da morte ou da impotência.

Chego aos meus 56 de jornalismo em meu país ainda muito amado. Pois, da decadência moral em que ele já se encontra, ainda o vejo heróica e resistente, mesmo que não se compreenda a si mesmo na perplexidade das mudanças abruptas e do movimento em espiral. Insisto nisso: a humanidade lúcida tem, em sua gênese, a consciência do eterno retorno que Nietscheze anteviu com tanta clareza. O vendaval está,ainda, assolando-nos, parecendo destruir valores e princípios que são de nossa gênese. No entanto, é vendaval que destrói apenas superficialidades, da mesma forma como o vendaval da globalização tão somente muda o que tinha ou queria ser mudado, sem conseguir, todavia, alterar o fundamento e a raiz de uma história.

Referi-me, há poucos dias, à reflexão de Ruy Barbosa sobre plantadores de couves e de carvalho. Estamos assistindo ao plantio ganancioso, ilógico, descompromissado de couves. Não há uma elite pensante. Ou, se houver, está cansada, amedrontada, acovardada. Vai daí, gananciosos plantam couves e acreditam na fórmula romana de acalmar o povo: pão e circo. Isso funciona. Mas provisoriamente. E a herança é trágica. Mas, ao mesmo tempo, fertilizante para quem se nutrir de esperança e souber, então, fazer limonada do limão ácido e amargo que lhe foi dado.

Neste meu outono da vida, após vicissitudes sem fim – e uma gotinha de sabedoria que sofrimentos e lutas me deram – quero,como jornalista e através de A Província, transmitir o que puder do que sei e aprendi da história gloriosa de nossa terra. São reflexões de meu outono da vida. Que espero seja, à gente piracicabana, uma contribuição para cultivar e cultuar raízes. São elas, as raízes humanas, a história – que salvam os povos, que constroem nações, que justificam a existência de cidades como lugares de viver, de amar, de ter filhos, de encontrar a harmonia e paz, de sepultar mortos queridos e de venerá-los em nossos cemitérios.

Os nossos mortos clamam por nós. Estão sepultados no nosso lugar sagrado. O estrangeiro e o burocrata não têm direito de profanar a sacralidade de um povo, de uma terra. A lição do eterno retorno já nos alcança. Tanto o mau como o bom, tanto o bem como o mal, retornam. No retorno, temos a oportunidade, talvez a última, de recomeçar, de reconstruir, de recuperar. Bom dia.

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