A hora e a vez das mulheres

MulheresNa história humana, foram as mulheres que determinaram as mais profundas mudanças no mundo, quer direta ou indiretamente. Desde o início, aliás, quando o mundo era apenas um paraíso, algo mais celestial do que terreno. Não fosse Eva, viveríamos, ainda hoje, na paz e nas delícias paradisíacas, sem conhecer grandezas e misérias da dimensão humana.

O destaque que se tem dado, novamente, aos concursos internacionais de beleza feminina é como que uma arapuca para levar, outra vez, a mulher ao seu anterior papel de subserviência, de objeto sexual, de frivolidades. Aliás, quem lê a revista “Caras” se depara com um monumento à futilidade, na exploração da beleza da mulher como complemento do dinheiro e da fama. Poucos, no entanto, se lembram que foi exatamente num concurso de beleza, em 1968, na cidade de Atlantic City, que as mulheres, em protesto, tiraram os sutiãs, jogando-os em latas de lixo para queimá-los. Não houve o fogaréu, mas o protesto estava firmado e o feminismo se consolidava.

De minha parte, por ser homem, eu até poderia ficar quietinho em meu lugar sem me indignar com as ofensas e humilhações que se fazem contra Dilma Roussef, que passou a ser tida como uma bandida por sua atividade revolucionária contra a ditadura. Mas a indignidade é tal que não se trata mais de gênero, mas de respeito à pessoa humana. Não entendo o silêncio das mulheres diante desse escárnio. Ou melhor: estou com receio de entender como sendo algo comprovador da apatia, da indiferença, da alienação de um certo universo feminino que se deixou seduzir pela Daslu, por fulgurantes reuniões sociais, jóias caríssimas e automóveis impressionantes. Esse sempre foi, também, um dos mundos femininos, apenas um, o mais triste: o das odaliscas, das amantes, de mulheres casadas por conveniência, mundo das madamas, do que se chamou high-society , “grand monde”, afunilando, hoje, nas socialites.

A Franca tem, como símbolo, a alegoria feminina de Marianne, a heroína da revolução francesa pintada por Delacroix com o boné revolucionário, empunhando um trapo vermelho como bandeira, os seios à mostra. Marianne simbolizou a trilogia da fé republicana francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. E foi à invocação de Marianne que os revolucionários franceses ofereceram, aos guerreiros dos Estados Unidos para se libertarem da Inglaterra, a Estátua da Liberdade. A estátua é feminina. Como o símbolo da Justiça.

No Brasil, a guerrilheira imortal, heroína de dois mundos tem seu nome pronunciado com reverência, admiração e respeito: Anita Garibaldi, companheira de Giuseppe Garibaldi, unificador também da Itália, ambos guerrilheiros. E Maria Quitéria, heroína nacional, na luta da Bahia pela independência em relação aos portugueses? Maria Quitéria foi símbolo da força feminina brasileira, empunhando armas, comandando guerrilhas, orientando batalhões, matando e defendendo-se.

Quem ousaria, na Espanha, chamar de bandida ou de baderneira a imortal “La Passionaria”, Dolorores Ibarurri, cuja bravura, na liderança dos republicanos contra as forças fascistas de Franco, escreveu, com sangue, um dos mais belos e heróicos momentos da história espanhola? “La Passionaria” é uma das mais poderosas alavancas morais da humanidade, mas que, certamente, seria chamada de bandida ou de terrorista pelos frequentadores de Daslu, leitores de jornalões e revistas cheirando ao mofo do conservadorismo.

Por Helena, a de Tróia, os gregos se trucidaram. E, Aristófanes, na peça “Lisístrata”, mostra toda a força e o poder da mulher ao narrar a chamada “greve do sexo”, quando as mais belas jovens seduziam seus namorados, maridos e amantes e, na hora culminante, se recusavam a ter sexo com eles. Ou se parava o fratricídio grego, na guerra do Peloponeso, ou os homens não teriam mais suas mulheres. A guerra acabou.

Há todo o direito de se fazer oposição à candidatura de Dilma Roussef, mas não pelos motivos infames que se têm apregoado: de ela ter sido terrorista ou de ser incompetente. Dilma Roussef é uma das mais competentes executivas deste país e seu passado revolucionário honra a história dos que lutaram pela liberdade. Eu me sinto ofendido quando chamam Dilma de bandida, por ela ter sido guerrilheira. Pois eu me vejo, de alguma forma, também chamado de bandido pelas tantas prisões e processos que sofri em minhas lutas contra essa mesma ditadura que enriqueceu a muitos dos que aí estão, agora posando de indignados democratas. O silêncio das mulheres diante da agressão machista à história de Dilma é acovardado e comprometedor. Há, no entanto e felizmente, multidões femininas que já acordaram sabendo que, novamente na história, a hora e a vez são das mulheres. Bom dia.

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