A moça e o anel de tucum

Sei lá se andava, eu, distraído e não percebia as coisas, ou se foram, elas, acontecendo a pouco e pouco. Pois comecei a notar – entre jornalistas, apresentadores de tevê, intérpretes – a adoção do anel de tucum, tido, historicamente, como símbolo de resistência e de adesão. O tucum, pelo que eu sabia, é um palmeira da Amazônia e, feito dela, o anel mantinha a sua ancestral significação quase sagrada: anel como símbolo do que é santo, divino, intacto. Desde os egípcios, assírios, persas, o anel tem essa simbologia sagrada, de união, de compromisso, além de simples adorno.

O anel de tucum, nos tempos da Teologia da Libertação, foi um dos símbolos de adesão aos oprimidos e compromisso para com eles. Depois, voltou a ser simbólico de adesão a diversas causas, as mais variadas. E, apesar de minha distração, lá comecei a vê-lo reaparecer em mãos as mais diversas, com adesão a causas também diversificadas, especialmente as ambientais. O fato é que minha curiosidade aumentou.

Num balcão de farmácia, vi a moça com o anel de tucum. Não resisti e, abelhudamente, lhe perguntei qual a causa que ela abraçara, com o que se comprometia, se com o ambientalismo. Ela respondeu sem pestanejar: “Com todas as causas que ajudem o povo, pois o meu é o anel de tucum franciscano. Sinto-me noiva de São Francisco de Assis e todo o seu legado.” Antes de eu boquiabrir, ela completou: “Fui postulante a freira franciscana, acabei desistindo, mas minha fé permaneceu.” Na mão direita, ela – moça bonita, elegante, inteligente – tinha a aliança de noivado com o moço que ela ama.

Confesso a minha agradável sensação de bem estar, talvez de mais uma gota de esperança em meu tonel que ainda permanece com capacidade para tê-la. Se jovens ainda se apaixonam por São Francisco e pelo franciscanismo, não temos o direito de esmorecer, de desanimar, de fraquejar em esperanças nesse eterno retorno que, pelo menos para mim, mostra indícios alvissareiros. Ora, quando se chega ao beco sem saída, a única solução é retornar. Quando se cai no fundo do poço, não há mais para onde ir, senão tentar sair. E o que pode haver de mais admirável do que a mensagem franciscana em tempos tão absurdamente materialistas, apressados, egoístas, como que feito de cegueiras e de hipnoses?

Infelizmente, pensa-se, erroneamente, que a escola franciscana seja feita apenas de doçuras, de uma opção radical pela pobreza, em sua quase milenar existência. Francisco de Assis pregou e anunciou, sim, o valor da renúncia e da pobreza, mas o surgimento da ordem franciscana determinou a modificação do pensamento político e moral da Idade Média. Quando encontra solução para um de seus mais angustiantes problemas – “como não ter nada, se franciscanos precisam viver, comer, estudar, manter monastérios?” – ao colocar a vontade humana no coração da ética. Ou seja: usar os bens e permanecer pobre no espírito, se os usarmos sem a vontade de possuí-lo. Mais do que formidável, foi revolucionário.

A filosofia franciscana alterou até mesmo as formas de poder nos governos humanos, a ordem social, os fundamentos jurídicos. E passa a ser quase historicamente irônico constatar que os franciscanos, defensores da pobreza radical, tivessem produzido uma teoria da riqueza nascida do conceito do uso justo da liberdade, a partir da consciência cristã. Foi um franciscano, Olieu, o primeiro a teorizar sobre a diferença entre o capital e os juros, riscos, segurança, o justo direito de contratar. Enfim, foram os sonhadores da utopia franciscana que refundaram o mundo, a política e a economia sobre a liberdade da vontade.

Por isso, é entusiasmante ver, como no caso da moça do anel de tucum, como essa mensagem de quase mil anos permanece viva, mostrando-se como sinal de retomada de caminhos diante da encruzilhada que nós mesmos criamos. Os franciscano, quando pensaram a saída do mundo, conseguiram abalar a ordem estabelecida e a refundaram. Pode acontecer ainda. Aliás, devia. Bom dia.

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