A propósito da Lua, lembranças
Muitos e muitos ainda há que se encantam com o belo e que se rendem ao sagrado. Não há humanidade sem o belo, o generoso, o solidário, ainda que atropelados pelo feio, pelo ruim, pelo egoísta. Enganamo-nos tolamente quando, talvez por cansaço ou decepções, somos levados a acreditar na vitória das sombras sobre as iluminações. O ser humano, apesar de nossas fragilidades, existe para conviver com o divino ao qual o homem é consagrado.
Não há vida humana sem sonhos. E é bom sonhar. Mas há, penso eu, sonhos e ilusões próprios de cada tempo de vida. As pessoas, no tumulto e suicídio de cada dia, ainda sonham, mesmo que não atinem para seus sonhos de olhos abertos. Sonhar com paz, com harmonia, com a família sem sobressaltos, com filhos dignos e felizes, sonhar com um amor impossível ou com amores desfeitos, sonhar com a serenidade perdida. Todos sonhamos, cada qual em seu tempo.
A propósito do bombardeio da Lua – assunto que abordei também na minha coluna no Correio Popular de Campinas – um leitor generoso me enviou uma montagem artística que ele fez a partir de um texto meu antigo, tão antigo que nem sequer me lembrava de tê-lo escrito. Reler aquelas palavras foi, para mim, reavivar lembranças, que ficaram sofridas quando do bombardeio estúpido que a NASA fez na Lua, como se rompesse o hímen da deusa virgem.
Permito-me republicar o que o leitor me enviou, o texto de que eu não me lembrava mas cujo conteúdo ainda me permanece vivo na alma:
“Nasci em terra de seresteiros.
E num tempo em que, nas ruas, havia
mais luzes de estrelas do que de lâmpadas,
ruas com perfume de damas-da-noite,
de silêncios apenas interrompidos
por trilares de apitos dos guardas. Ou de grilos.
Passava-se por sob janelas e
ouviam-se ressonares das pessoas
ou contidos sussurros de amor.
E, sem muito esforço,
poder-se-ia sentir o cheiro de alfazema
vindo de lençóis. E de manjericão.
As casas ainda tinham jardins
e eles se abriam às calçadas.
Plantavam-se rosas, muitas.
E – como se destinadas a avivar sentimentos –
elas encantavam com as cores da vida:
vermelho, da paixão;
amarelo, da saudade;
rosas cor de rosa para dizer da amizade,
de primeiras intenções.
De violões nos ombros, moços iam-se pelas ruas,
as mãos com verrugas de tanto apontar
e contar estrelas.
Pois eram tempos em que contar estrelas
dava verrugas nas mãos,
diferentes de agora, tempos sem verrugas,
sem mãos apontando estrelas,
sem violões encantando calçadas.
E ladrões de flores, cadê?
Pois seresteiros roubavam rosas
deixando-as à janela das bem-amadas.”
Que isso seja um sonho da vontade de outra vez, definição de saudade. Bom dia.