Adolescente, sexo e Gabriel

SexoQuase me inibo de dizer essas coisas, pois são, elas, do século passado. E nunca me imaginei estar escrevendo de um para outro século. Acontece que redescobri Gabriel, que ressurgiu num pedaço de jornal amarelecido lá do século passado. O nome dele: Gabriel de Latiffe. Ele era o meu outro. E preciso explicar, aos leitores deste século 21. Pois matei Gabriel.

Foi numa conversa de redação, com o Roberto Godoy. Surgiu a ideia de escrever uma outra coluna, algo que fugisse à narrativa do cotidiano. Foi quando nasceu o meu outro. E escolhi o nome que me surgiu num repente: Gabriel, meu avô; Latiffe, minha avó. E dei, à turcaiada, uns ares franceses: Gabriel de Latiffe.

E assim ficou por muito tempo. Ele me provocava, eu respondia. Chegou a ocorrer de precisar escrever dois artigos diferentes sobre um mesmo assunto mas por ângulos contrários. Eu, num dia, apresentava alguns argumentos; o Gabriel respondia com outros. Era como o episódio do Assis Chateaubriand querendo que o Davi Nasser escrevesse sobre Jesus Cristo: “A favor ou contra?”, perguntou Davi.

Naquele papel envelhecido, encontrei algo que o Gabriel escreveu e de que eu nem mais me lembrava. E ocorreu de tê-lo encontrado justamente quando se fazem novos debates sobre educação sexual nas escolas. O Gabriel contou a dificuldade em que se encontrara, mas não revelou o final da história. Ora, eu sei o que aconteceu, mas preciso deixar o Gabriel contar o que escreveu há uns dez anos:

“Sou um homem que envelhece. Não tenho, pois, o direito de alegar inexperiência, a menos que confesse minha incapacidade de aprender alguma coisa. E alguma coisa aprendi, necessária e importante, agora, para serenar. Aprendi que cada tempo da vida é uma adolescência, tempo de aprender. Há uma adolescência da velhice. Vivo-a, vou aprendendo, deslumbradamente. E eis o que descubro: o sonho humano é o mesmo; os momentos são diferentes. E amar é, ainda, o sonho maior.Tenho o privilégio de, na adolescência de minha velhice, conviver com um adolescente de 14 anos, meu filho da alma. Ora, não é verdade que o sonho acabou. Pois o garoto, numa dessas noites de conversas honestas e sem tutelas, fez-me um convite que, no fundo, era uma confissão: ‘Eu não aguento mais. Estou precisando de relações sexuais, mas não quero que seja do jeito que eu vejo na televisão ou entre os amigos que eu tenho. Quero que seja diferente, não sei explicar como. Você não quer me acompanhar? Você tem experiência, a gente poderia encontrar mulheres que… Você entende o que estou pedindo para você me ajudar?’. Sim, eu entendia. Comovidamente, eu entendia a imensidade de paixão na alma e na carne daquele adolescente. E descobri, enfim, que, realmente, nada há de novo sob o sol.

Estou, pois, alvissareiramente confuso. Pedi, ao garoto, alguns dias para planejar um rendez-vous, com doces e ternas mulheres para nós dois. Foi a maneira que encontrei para, na realidade, ter tempo para pensar, para coordenar minhas emoções e conflitos. Ou, para dizer francamente, ser coerente com aquilo em que acredito: na vida como expressão única e privilegiada do amor. Nada falei, ainda, para o garoto. Mas, no mais fundo de mim, sei que ninguém — minha mulher, a sociedade por inteiro, nem mesmo Deus — conseguirá me condenar se eu me fizer cúmplice desse menino, ajudando-o a encontrar a primeira mulher que lhe revele o mais doce dos mistérios da vida, não o mais amargo”.

Lembro-me disso. Foi, na verdade, a minha solidão. Mas a história terminou de maneira prosaica e banal, da mesma forma como acontece há milhares de anos: o garoto começou a namorar, ficaram beijando-se, abraçando-se e o encontro aconteceu. O mistério fora-lhes, aos dois namoradinhos, revelado. Mas não houve nada de doçura. Contaram, depois — e o Gabriel não o revelou — que ficou, para eles, um sabor de amargura. Arrependeram-se de não terem sabido esperar.

Penso nisso, agora, lendo e vendo debates a respeito de “educação sexual” nas escolas. É de fisiologia ou anatomia que estão falando? Ou de sexo pelo sexo? Pois, se for vida a dois, um encontro de amor envolvendo espírito e carne, isso é aventura pessoal, impossível de ser ensinada. Genitalismo é uma coisa; sexualidade, outra. Acho.

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