Avacalhação democrática

Esses políticos… Outra vez. E ainda.

Pois bem. Nunca me acanhei ao dizer de coisas de que me arrependo, que me entristecem. Se há algumas de que me envaideço, outras existem que eu não faria novamente. Pois não me incluo entre os que se dizem capazes de repetir tudo de novo, de agir como agiram ou de ainda pensar como pensaram. Até as pedras mudam. E, quando empurradas, também se movem. Apenas os tolos nunca mudam

Entristeço-me ao me lembrar de brigas, críticas severas, de cobranças até mesmo cruéis que fizemos de vereadores do passado. A vereança era honrosa. A vereança era mais do que ter um cargo, meninos. Vereadores elegiam-se para um serviço gratuito. Davam de si. De seu tempo, muitas vezes do próprio bolso. E não se diga – com falácias fáceis – que, por isso, apenas a chamada elite econômico-financeira chegava à vereança. Isso é falso. Operários, sindicalistas, trabalhadores do campo também foram vereadores. E sem nada receber. Eram cidadãos que gratuitamente serviam a seu povo.

Aliás, tolamente, insistimos em dar sentido e significado pejorativos à palavra elite. Não é verdade seja, o Brasil, vítima de elites. Fomo-lo, no passado. Hoje, trata-se do contrário: pagamos o preço da falta de elites, de a sociedade nivelar-se por baixo, ao rés do chão. Se as entendermos pela visão de Pareto e outros pensadores – minorias quase exclusivas, detentoras de poder – serão sempre odiosas, sementes de totalitarismos e governos aristocráticos.

Elite, no entanto, também é aquilo que há de melhor e de mais valorizado numa sociedade, num grupo. Seleção de futebol é formada pelos melhores, pela elite de jogadores. A Polícia têm atiradores de elite. Até entre bandidos, há uma elite. Mas a democracia brasileira aceita conviver com organizações e partidos políticos abertos a toda sorte de mediocridades e malandragens. Ora, não pode haver democracia verdadeira se, na política e na vida pública – definindo rumos e interpretando a alma do povo – ficar ausente o que a sociedade tiver de melhor, de mais valorizado, em caráter, em competência, em honra, em conhecimento – uma elite dirigente. Governo de vendilhões, de oportunistas – canso-me, repetindo – chama-se oclocracia, da cloaca social.

Senadores, deputados, vereadores de antes também cometiam tolices, havia cupidezes. Mas vereador não tinha salário. Até besteiras, eles as faziam graciosamente. Atávica, a miséria humana existia em Câmaras passadas. Se não eram melhores vereadores, eles, pelo menos, não recebiam para afrontar o interesse público. O povo não pagava para ser ludibriado. Subsídios, em municípios pequenos, são invenção dos militares. Para amansar e adoçar políticos. E dar emprego a desocupados.

Na vida real – pois a vida política brasileira é ficção – quantos vereadores ganhariam, no mercado de trabalho, salários de mais de R$7.000,00, três meses de férias remuneradas, assessores e tantos outros privilégios? Qual o salário inicial de um professor universitário, mestre e doutor, após décadas de estudos? E o da mestra das mestras, a que ensina o bê-á-bá?

O título do quarto volume da grade obra de Elio Gaspari é “Ditadura Encurralada”. Vemos, agora, a democracia encurralada, posto que avacalhada. Nossos políticos colaboram para a farsa repetir-se: avacalhada, a democracia encurrala-se. E acaba.

Isso que acontece em Brasília não resultará em nada, como sempre. Brasília está muito distante da realidade do povo. Mudanças, limpezas, reformas têm que começar em casa. É a velha história do provérbio oriental: se todos limparem as suas calçadas, toda a cidade estará limpa. A limpeza política há que ser feita de baixo para cima, não mais de cima para baixo, do município para a Ilha da Fantasia. Tento imaginar com que cara, nas próximas eleições, políticos pedirão votos a eleitores. Mas, na verdade, nem sequer é preciso imaginação: será com a cara de sempre. A de pau. E bom dia.

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