Conversas na Rua do Porto

picture (15)Ando com saudade da Rua do Porto. Na verdade, ela não é mais aquela. E, sendo outra, pode até vir a ser melhor do que foi, mas perdeu muito da graça. Sentar-se à beira rio, jogar conversa fora com os amigos, cada qual um “causeur” da rua bendita, era como ver a vida acontecer risonha e franca. Ficar por lá, comer lambarizinho frito, tomar caipirinha com cerveja, ver as garças pousando com uma perna só, peixes saltando com olhos estúpidos – ai, que ninguém é de ferro!

A Rua do Porto era universidade aberta onde cada pessoa tinha o que contar, especialmente se fosse mentira ou simples besteira. E, com a alma pacificada, confesso ter vivido cursos inteiros de especialização em cobras e lagartos, abobrinhas, informações inúteis, diz-que-diz-ques, fofocas, curiosidades que servem para espantar o sono e aquietar fantasmas. São tolices, grandes e imensas tolices. Mas que alimenta a alma da falsamente séria racionalidade humana.

Para conversa de mesa de bar – e, também, para impressionar moça bonita, geralmente burrinha – há livros e revistas de grande utilidade. Ora, gente velha, como se sabe, costuma trocar informações a respeito de remédios, dos últimos medicamentos. Quando falta amor, velho fica hipocondríaco. Na Rua do Porto, velhinhos trocavam informações sobre receitas, chás, ervas, novidades farmacêuticas. Lá me informaram, um dia, de um tônico milagroso, fitoterápico, da medicina chinesa, conhecido como o “Viagra chinês” – quem se interessa por isso?

Fui, de conversa em conversa na Rua do Porto – e lendo almanaques para embalar assuntos – que aumentei minha cultura inútil. Nos tempos do Papa João Paulo II, por exemplo, a moda era saber alguma coisa em polonês. Aprendi que, se alguém for à Polônia e precisar ir ao banheiro, basta pedir: “Gdzil jest toaleta?” E se a dor de barriga acontecer na Albânia? Ora, basta perguntar em albanês: “Kundodnet banjoja(nevojtorjal)”

Para se ver, pois, que cultura de almanaque não é tão desimportante assim.

E provo. Pois há perigos soltos no mundo, quase sempre ocultos em cordialidades estranhas. Quem, não tendo tanta cultura especializada, saberia dos riscos que corre diante de gentis cumprimentos, por exemplo, da tribo australiana dos Waibirir? São perigosos, ainda que cordiais. Pois se os ocidentais nos cumprimentamos com apertos de mão, abraços, beijinhos no rosto – os Waibirir, sabem o que fazem? Vamos lá: os homens daquela tribo cumprimentam os visitantes apertando-lhes os pênis, dá para entender?

Cultura de almanaque desmistifica falsas verdades. Certa vez, quando o lero-lero desandou em torno da situação política do Brasil, pedi outro chope e informei meus amigos idosos: “O ano de 1700 não foi um ano bissexto.” Eles me olharam como se eu fosse idiota ou caduco.Admito a possibilidade da idiotia e da caduquice, mesmo porque caduco diz respeito a tempo vencido, a prazo extinto e os meus já lá se vão. Na prateleira do supermercado, a mulher reclama: “Esse leite já caducou.” Mas fica brava se alguém lhe diz que ela também.

Ora: caduco ou idiota, ainda acho mais interessante saber que 1700 não foi ano bissexto do que ouvir discursos de políticos neste final de ano. Saudade, pois, da Rua do Porto: saber de ano bissexto não faz mal à saúde; política faz. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins)

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