Credo

O texto foi publicado no dia 6 de junho de 1982 em O Diário e depois selecionado para o livro “Bom Dia – Crônicas do Autoexílio e Prisão”, lançado em 2014

Há quem continue perguntando-me como sou capaz de continuar vivendo sob tamanha pressão e tais tensões. E até quando irei suportá-las. Processos, perseguições, ameaças pessoais e à minha família, tentativas de violência contra meus filhos, boicotes comerciais, dificuldades financeiras…

Hesitei muito antes de revelar o que pretendo fazer agora. Hesitei fazer uma confissão por saber estarmos vivendo uma época de alucinações e materialismo, quando verdades absolutas são tidas como pieguices ou tolices ultrapassadas. Hesitei em confessá-lo por, bobamente, pensar em que a cegueira e a surdez coletivas viessem a ter-me como idiota. Hoje – depois de muito pensar e refletir – decidi revelar o porquê de minhas forças para suportar tantas pressões e conseguir viver sob tal tensão.

Não há segredos. Suporto porque, simplesmente, eu creio. Porque não tenho dúvidas em minha fé. Porque me entreguei às mãos de Deus. Porque me alimento de minha crença nesse admirável cristianismo que permite cegos verem, e surdos ouvirem, e mudos falarem. Sem crer, eu seria mais um cego, surdo e mudo. É, pois, em Deus que me apoio, acreditem ou não. É da oração e da eucaristia que me alimento. Sim, delas, que parecem superadas ou símbolos medievais aos olhos de quem deixou o coração endurecer-se por crostas de cimento. Rezo o terço todos os dias, em família ou sozinho. E mais de um por dia, quando sinto as forças enfraquecerem ou quando caio na tentação do cansaço ou do desânimo. Recebo a eucaristia habitualmente e todos os dias, quando posso ou me sinto fraquejar. Deixo meu joelhos caírem no chão e já estou com calos neles.

Não sou, pois, um homem apenas corajoso, mas alguém frágil que apenas acredita em seu Deus. Um Deus que nunca me faltou e sei que nunca me faltará enquanto eu lhe permanecer fiel e nele confiar. Um Deus com quem dialogo em minhas orações e de cujo corpo me alimento através da Eucaristia. Ele é quem me dá forças e energia, quem torna permanente a minha capacidade de indignação. Não são amigos, mulher ou filhos que procuro, quando me deprimo ou sinto-me fraquejando. Procuro Deus e encontro o mais suave refúgio e a mais generosa fonte de energias. Quando falho – e falho muito – são minhas as falhas. Quando erro – e muito erro – os erros são meus. Minha capacidade de resistir creio seja Deus quem me fornece.

É isso que, hoje, quis confessar de público, assumindo o risco de ser tido como tolo ou como um alienado, ultrapassado ou retrógrado. Não me importa creiam no que creio. Por crer, Deus completa a alegria de ter os meus queridos. Quem duvidar, tente fazer, em sua vida, uma das mais maravilhosas aventuras humanas, a experiência de Deus. Bom dia.

(NR – Alguns anos depois, o cronista entrou em grave crise de fé, que perdurou por quase 30 anos. Viu-a retornar em 2009)

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