De carrões e calhambeques

CarrõesNa verdade, nada entendo de carros. Aliás, a única marca que distingo das outras é o glorioso Fusca, que parece estar em processo de desaparecimento, com exceção dos que o conservam como tesouro inestimável. E é: ter um Fusquinha, acho eu, é possuir relíquias e, de minha parte, penso nisso como um sonho de consumo. Quanto ao mais, não sei diferenciar uma Ferrari de um Fiat. E isso não me faz como nunca me fez falta na vida.

Por me referir a isso, passei, outro dia, um pequenino vexame com o mecânico que faz a revisão anual de meu carrinho. Ele me perguntou algo a respeito do bichinho, dei de ombros, balbuciei: “De carro, amigo, nem sei o que é carburador.” E ele se riu: “Nem eu, pois, agora, é tudo com injeção eletrônica.” Não entendi nada, mas percebi ter falado besteira. Outra.

De um amigo muito rico, ouvi a para ele divertida conversa que teve com a própria filha: “Ela me pediu para, quando fizer 18 anos, ganhar uma Ferrari.” Como sou do tempo em que a alegria máxima de um adolescente era ganhar uma bicicleta, fiquei à espera da conclusão de meu rico amigo. E ele disse: “Sabe? Como eu sempre quis ter uma Ferrari, nem que seja para dar uma volta no quarteirão, estou pensando em atender o desejo da menina.” Que Deus e os céus os protejam e guardem.

Na realidade, não estou pretendendo referir-me a carros, automóveis e bicicletas. Acontece, apenas, que passaram a me servir de motivos para filosofar sobre a vida e o ser humano, inspiradores que podem ser de metáforas e analogias. Lembro-me, por exemplo, de quando se dizia que mulher bonita era “cavalão de muié”. Depois, passou a ser “uma Mercedes de muié”. E, antes, mulher feia era bonde, quem se lembra? Pois bem e vamos em frente.

Acontece que, com essa infestação de “recalls” nas grandes empresas automobilísticas – Honda, GM, Fiat, sei lá mais quais – começou a se me confirmar que a sabedoria popular tem razões que a própria razão desconhece. Vejam lá: nem tudo o que reluz é ouro; tamanho não é documento; quem vê cara não vê coração; as aparências enganam.

Ou seja: carro novo, reluzente, aparentemente poderoso pode ser uma grande encrenca. E, por outro lado, um calhambeque bem conservado pode ir mais longe do que parece, funcionar mais eficientemente do que se pensa. Isso me entusiasma e me alenta. Pois, outro dia mesmo, fazendo uma revisão médica, o doutor chegou a uma conclusão para mim alvissareira: “Está tudo em ordem e pode rodar à vontade.” Saí de lá, fui a outro médico que me repetiu a mesma coisa: “Revisão completa, estado ótimo.” E, a partir de então – especialmente vendo os apuros dos carros novos, da tragédia da poderosa Honda com seus “recalls” – proclamo alto e bom som, com peito estufado, num grito varonil, que me orgulho de ser um bem conservado calhambeque, indo ao conserto a toda hora, arruma aqui, dá um jeito ali, tira isso e acrescenta aquilo, mas que vai rodando, rodando, em plena forma e com eficiência que muita Honda por aí já perdeu.

Começo a entender porque as lojas de antiguidade estão em moda e seus produtos cada vez mais caros e procurados: o antigo é valioso. E, agora, já sei que um bom calhambeque compensa mais do que carrão novo, esses bonitões que, na verdade, são aquilo que o povo diz: “por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.” Eta nóis! Bom dia.

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