De damas e cavalheiros

picture (12)Sempre conto da primeira vez em que me dei conta do fim do mundo. Meu pai, cada vez mais silencioso, chamou-me a atenção para a hecatombe universal. Ele me perguntou: “Filho, você já reparou que as pessoas não mais assobiam nas ruas?” Eu não percebera, mas não consegui lembrar-me da última vez em que eu vira e ouvira alguém assobiando nas ruas.

Minha experiência pessoal de fim do mundo – e sempre a conto também – ocorreu-me há uns 25 anos, no metrô, em São Paulo, o vagão apinhado de gente. Vi, em pé, a mulher grávida, a barriga pesada. Levantei-me, ofereci-lhe meu lugar. Ela respondeu com olhar de desprezo: “Você pensa que gravidez é doença?” Entendi: o mundo do cavalheirismo, das pequenas gentilezas acabava-se. E eu não podia fazer nada.

Há poucos dias, encantei-me com um mulher, cinqüentona, que me dizia de quanto se alegrava com “delícias de ser dama” e do bem estar ao relacionar-se, no cotidiano, com homens polidos. Reanimei-me, pois parece não mais ser tanta a solidão entre antigos damas e cavalheiros, pois uma nova geração de homens e mulheres civilizados surge, ressurge, reagindo à horda de bárbaros que atropelou gentilezas, polidezes, cortesias, esteios da civilização.

Antigamente, ao comportamento polido dava-se o nome de boas maneiras. Eram elas que revelavam o grau de educação de um povo. Aprendiam-se as regras de convivência a partir da própria casa e na escola. O mundo da civilidade foi, a pouco e pouco, ruindo. E fez tal estrago que boas maneiras passaram a ser questão nacional, como nos ensinam os alemães. Pois a Alemanha catalogou 165 mil cidadãos processados por crimes iniciados com pequenas grosserias: um gesto agressivo no trânsito, um insulto, a reação do outro, a briga, a agressão; uma buzina estridente, um protesto, o confronto.

Assustados com a ascensão da grosseria entre o povo, governos e lideranças alemães reagiram criando escolas de boas maneiras, da velha etiqueta, reeducando crianças e jovens executivos. O famoso “Der Spiegel” chegou a ironizar: “Bem-vindos à República dos Insultos.” Ora, poderíamos dizer o mesmo de nossas cidades, onde ruas, salas de aula, cinemas e teatros, locais públicos e as simples calçadas – para não dizer de muitos lares – se tornaram essas “repúblicas” de insultos, agressões e grosserias, o lixo nas ruas, ambulantes ilegais, abordagens nas esquinas, sons enlouquecedores,

Espíritos desavisados e práticos podem considerar tolas as noções de “boas maneiras”, como se fossem, apenas, regras para relacionamentos em salões requintados. Não se trata apenas disso. Não há como falar em educação formal nas escolas, se, antes, não houver as boas maneiras. E isso não é novidade. Há cerca de 500 anos, Erasmo de Rotterdam publicava o livro que mudou o mundo ocidental: “como educar uma criança”. São regras que valem ainda hoje: não por os pés nas mesas, não comer de boca aberta, não gritar. Mas o mundo globalizado dá de ombros: para quê boas maneiras, gentilezas, se é preciso vencer sempre, atropelar o outro, destruir o concorrente?

A Europa se revê. Empresários aprendem a se relacionar afavelmente com as pessoas; crianças e jovens reeducam-se retomando a cortesia, a polidez, valores do mundo civilizado. O programa de maior audiência na Alemanha chama-se “Maneiras Finas”, onde se fazem testes de comportamentos gentis, civilizados.

Ora, quando mulheres dizem de “delícias de ser dama”, homens deveriam ser cavalheiros até mesmo por esperteza. Bom dia.

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