Definir felicidade

Esse texto foi publicado em 7 de setembro de 1979 em O Diário. E depois selecionado para o livro Bom Dia: Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

E há, por acaso, definição para a felicidade? Foi o que perguntei a mim mesmo, silenciosamente, quando um de meus filhos quis saber a definição. Sentimento, sensação, estado de espírito? Felicidade é um bem tão pessoal que confesso não saber como defini-lo, aquele sentimento abstrato que se conhece mas não se sabe explica-lo. Um bem relativo ou absoluto? Acredito que absoluto em sua relatividade. Pois há momentos de felicidade plena, embora não se possa ser plenamente feliz em todos os momentos. Só sei que ela existe. E é mais simples do que parece. E que está mais ao alcance da mão do que se pensa.

Paradoxalmente, é preciso pedir tudo da vida e compreender que a totalidade das coisas se resume na simplicidade delas mesmas. A felicidade é tão estranha que pode se mostrar no momento da carência de um bem ou quando se vive a plenitude dele. Uma simples visão é capaz de transmitir a sensação de felicidade absoluta. Assim como um aroma, até mesmo um som. E foi o que a minha filha respondeu quando, chegando a minha vez, lhe perguntei sobre a felicidade. Não soube defini-la, mas me contou de alguns momentos felizes. E eram todos pequeninos, sem que se arrebatasse ou levasse a uma explicação sentimental. Felicidade de ficar olhando o mistério de uma flor, os arabescos de um passarinho no ar, o ninho que surgiu sobre a janela do quarto, trazendo, ao alvorecer, melodias cristalinas de pipilares de avezinhas; o trecho de um livro; a harmonia de uma música; a conversa distraída com amigos; o sentir-se bem com a família; o levantar-se pela manhã e ver o translúcido do dia. O seu sinônimo é paz.

Estou em paz com o mundo, uma conquista angustiante e pungente de cada dia, quando, ao nosso lado, os convites são para a violência e o desamor, o ódio e a discórdia. Vou acreditar que, para ser feliz, é preciso parar a caminhada. Descer do cavalo, olhar dos lados. Não caminhar com pressa e à velocidade das máquinas, nem aceitar as competições que machucam e a nada conduzem. Ter tempo para amar, mas descobrindo o verdadeiro sentido do amor, que é desinteressado e despojado. O dar a mão ao inimigo, o aprender a gostar de quem não se gosta, o saber encontrar o sentido de oferecer e pedir.

Sei lá. Felicidade é paz e nada mais que isso. Uma sensação de leveza que permite olhar o mundo e os homens com olhos de concórdia e esperança, a certeza de que é bom viver e estar vivo. Por isso pode haver paz nos barracos e amargura nos palácios. Pedir tudo à vida é um direito que todos temos e que devemos exercê-lo. Esse tudo, no entanto, não estará na acumulação do supérfluo, que entristece e que angustia. Ter tudo é saber não ter. Ter tudo é convencer-se que os dons e os bens estão ao alcance das mãos e que basta esticá-las para serem colhidas.

A árvore da vida tem frutos maduros. O triste está em andarmos muito pelo chão, na corrida atrás de nada, sem olharmos, um pouco que seja, para o alto. Não adianta: não sei explicar o que é felicidade. Mas me basta saber que ela existe. Melhor ainda: que existe e que é possível. Bom dia.

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