Desculpas sinceras ou farisaicas?

As Organizações Globo – sem que houvesse grande repercussão quanto a isso – vieram a público pedindo desculpas por seu apoio ao golpe militar e à ditadura. Por sua vez, a revista Veja faz um retrospecto de seus 45 anos de existência, enfatizando seu posicionamento, em alguns momentos, contra a repressão militar, sem, no entanto, revelar seu apoio crônico às forças mais reacionárias do país.

Pedir desculpas, admitir erros, reconhecer falhas são atos de nobreza se sinceros e dentro de requisitos universalmente aceitos. Se assim não for, não passaram de instrumentos farisaicos para justificar o injustificável. Ora, perdoar e desculpar não é tão simples e gratuito assim, contrariando a oração de Cristo que pede ao Pai para “perdoar as nossas ofensas como perdoamos aos que nos têm ofendido.” Mas e se quem ofendeu, agrediu, prejudicou não pedir desculpas, não quiser ser perdoado ou fingir sentir-se culpado?

download (2)O perdão tem pressupostos para ser concedido. Assim, também, a desculpa. Para quem agrediu e ofendeu, o pedido de perdão tem que ser, primeiramente, sincero, honesto. Em seguida, é preciso que o mal cometido seja reparado. E, por terceiro, que haja o compromisso de nunca mais vir a fazer o mal praticado. Seriam sinceros os pedidos de desculpas da Globo? Reparou, ela, os males cometidos contra a nação brasileira, contra o povo, em décadas de cumplicidade com ditadores, de aliança com a tirania? E compromete-se a nunca mais fazê-lo?

Um dos grandes males da alma brasileira é a facilidade para esquecer, a verdadeira irresponsabilidade para desculpar a tudo e a todos, sem avaliar danos sofridos e males feitos, o que permite a existência dessa malfadada “cultura da impunidade”. A punição justa, na medida certa é um dos baluartes da Justiça. Sem punição, a lei e a ordem moral se esgarçam, definham. O homem bonzinho e instituições boazinhas estão assentados em fraquezas cujos resultados surgem em sociedades e nações sem medula.

O que a Globo – para ser desculpada – fará para ressarcir o seu agora confesso e declarado ativismo em favor da ditadura militar, como cúmplice e parceira do complexo militar-empresarial que dominou e desgraçou o País por duas longas e torturantes décadas? Em 2014, completar-se-ão 50 anos do golpe militar. Já temos multidões de idosos que não se lembram do que aconteceu, nem sabem dos males de que foram vítimas. Mas somos, ainda, muitos que viveram aqueles horrores, que os vimos acontecer, que sofremos na carne os malefícios e cujas vidas foram marcadas por um rosário de violências cometidas por grandes, pequenos e medíocres ditadores. De minha parte, vivi toda a juventude em luta contra a tirania militar e na esperança de uma pátria livre. Pertenço àquela geração que resistiu e que, felizmente,  tem testemunhas vivas e ainda indignadas. E mais indignadas ainda ao constatar que toda a luta, todos os sacrifícios, todas as esperanças redundaram na farsa democrática que estamos vivendo. Antes, a ditadura militar. Agora, a ditadura da mediocridade e do oportunismo, do banditismo político, do cinismo deslavado.

Um simples pedido de desculpas da Globo basta para absolvê-la dos males cometidos? Um relatório da Veja – tentando justificar o injustificável – basta para que continue em sua campanha de semear equívocos? Penso nessas coisas porque – 49 anos depois – recebi da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça uma sentença de anistiado político, com “o pedido de desculpas do Estado brasileiro”, reconhecendo ter sido, eu, um perseguido político. Desculpas? E quem me devolverá a juventude, os anos de angústia, de perseguições, de violências, de desassossego? Não quero desculpas de ninguém. Fiz o que minha consciência me ordenou fazer. Como desculpar, se ninguém pode me ressarcir dos males feitos, se não há quem garanta  que não se repetirão, de uma ou de outra forma, mesmo sob a atual forma de corrupção?

Pode-se desculpar quando não se esquece? Pode-se desculpar aquele que pede desculpas sem se arrepender, trocando apenas de formas de agir? O perdão, mais do que uma forma de caridade, é um ato e gesto de justiça. Se não houver justiça, o perdão é farsa. Bom dia.

1 comentário

  1. Eloah Margoni em 25/09/2013 às 19:32

    Sim, para muitos é “bem melhor pedir perdão do que permissão”. É o caso da Globo.

Deixe uma resposta