Dez mandamentos e um pecador

10-mandamentosTornou-se-me um hábito, indo à farmácia, reclamar da balança ou elogiá-la conforme esteja, eu, acima ou abaixo do peso. Dia desses, com uns quilinhos a mais, reclamei: “Quando vocês vão consertar a porcaria dessa balança?” Foi,então, que o balconista – fervoroso crente evangélico – me falou: “É o peso de seus pecados.” Quase xinguei a mãe dele, mas resisti, encafifado com o que o rapaz pudessse saber de minha vida.

Mas as palavras dele não me saíam da cachola. Ora, ando tão bonzinho que até eu mesmo me espanto de mim. Eis que, então, me lembrei dos Dez Mandamentos e me senti derrrotado, pecador inveterado. Pois,dos dez, nove já infringi. Revi-me em cada um:

1- Amar a Deus sobre todas as coisas:

A partir desse, não tenho mais perdão. Imagine lá se for, eu, amar a Deus acima de meus filhos, de minha mulher, de meus falecidos pais,de irmãos até mesmo os mais chatos! Se Deus me desse a ordem, como fez com Abraão, para matar meu filho, ele que me perdoe mas, com todo o respeito, eu lhe daria uma banana. Aqui, ó! E o Corinthians, como posso deixá-lo de lado?

2 – Não tomar seu santo nome em vão:

Desde criancinha, minha mãe me pedia: “Jure por Deus que você não vai fugir das aulas!” E eu jurava. E fugia. E jurei por Deus que não iria fazer serestas. Felizmente, sábia, minha mãe não me mandava jurar que eu não iria a outros lugares, tidos como pecaminosos. Sábia também, minha mulher não pede qualquer juramento meu, além dos que já fiz.

 

3- Guardar domingos e festas de guarda:

Esse mandamento não me causa dificuldades ou culpas. Guardo, e muito bem guardado, todos os domingos e santos feriados. Guardo-os todos para minha família, para amar, para descansar, para o “dolce far niente”. Aliás, não foi o próprio Deus desses mandamentos que, tendo trabalhado seis dias para criar o mundo, descansou no sétimo? E descansa até hoje? No Dia do Senhor, torno-me senhor de meu dia.

4- Honrar pai e mãe:

Se depender dessse mandamento, o meu céu está garantido. Honrei os meus pais e ainda honro a memória deles. Emociono-me com a quentura que isso me traz ao coração. E mais não digo.

5- Não matar;

Mato formigas. E, uma vez, na infância longínqua,matei um passarinho. Estupidamente, com um estilingue, atirei a pedra que atingiu o peito do bichinho. Depois disso, não matei mais nada. Mas não nego a minha vontade de esganar gente como o Renan Calheiros, o Collor e paro por aqui, para não deixar Brasília desabitada. Mato, pois, em pensamento.

6- Não pecar contra a castidade:

Se Deus quer isso, é birra dele. Seria como levar uma criança à sorveteria e a proibisse até mesmo de lamber um sorvete. Claro que não vou entrar em intimidades, mas é simplesmente glorioso pecar contra a castidade. Como é que nascem as criancinhas? Castidade dá tristeza, amarela a pele, causa olheiras, descontrola o sistema nervoso, provoca histeria em mulheres e depressão aguda nos homens. Estou saudável.

7- Não roubar:

Fui ladrão de flores. Não houve noite de seresta em que não roubei rosa num jardim alheio deixando-a na janela da amada do momento. Mas uma das minhas tristezas na vida é a de nunca ter roubado nada de verdade, a não ser flores. E é esse um sonho quase dourado: roubar qualquer coisa, nem que seja uma laranja, de supermercado. Pois roubar deve ser bom. Caso contrário, não haveria tanta roubalheira na vida pública.

8- Não levantar falso testemunho:

Falso testemunho e mentira são quase a mesma coisa. Uma pesquisa revelou, há algum tempo, que uma pessoa mente 87 vezes por dia, sejam mentirinhas – “fale que eu não estou”, quando um chato chama ao telefone – ou mentironas. Estas são mais graves. Tem marido – e, também, mulher – que parece sofrer de dor de dente crônica. Um pergunta: “Onde você passou a tarde, amor?” Resposta: “No dentista, meu bem. “

9 – Não desejar a mulher do próximo:

Convenhamos: quem seria o maluco de desejar uma mulher que nunca viu, uma iraquiana toda coberta com aqueles panos esquisitos? Claro que se deseja aquela que está próxima, quanto mais próxima melhor. E que ninguém acredite naquele baboseira de “mulher de meu amigo é homem.” Moisés deve ter entendido errado também esse mandamento. E seu povo tinha muitas mulheres…

10- Não cobiçar as coisas alheias:

Por cobiça, também estou condenado. Pois a vida toda cobicei a biblioteca do José Mindlin, cobiço um Fusca dos anos 1960 de um amigo que não vende, não troca e nem dá. Cobiço a Ilha do Pitangui lá em Angra, não sei se ele já a vendeu. Ora, se eu cobiçar alguma coisa terá que ser de outro, a coisa alheia, não? Tem que ser muito tolo para cobiçar coisa própria, incluindo gente, né? Sou, pois, um mísero pecador. E fico esperando quem me atire a primeira pedra.

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