Diplomacia dos que sabem

pictureA jovem repórter, entrevistando-me, quis saber de algumas coisas. Ora, as melhores – e, às vezes, as mais importantes – são as que não foram ou que não devem ser publicadas. E se jornalistas contássemos tudo o que sabemos? E se políticos e religiosos fizessem o mesmo? É o que acontece nos debates entre candidatos, aqui e nos Estados Unidos. Há códigos diplomáticos que, se desfeitos, desencadeiam a guerra.

Políticos e jornalistas, entre outras atividades, detêm-se – cavalheiros à antiga, conhecedores das entranhas da cidade, das vísceras da terra – ao se reconhecerem parte de um núcleo altamente privilegiado: os que sabem grande parte das histórias que não foram contadas. Pois, quase sempre, a história não é a que se conta, mas a que ficou oculta. Proposital ou estrategicamente. Historiadores sabem disso mais e melhor do que ninguém.

Confesso não me lembrar tenha sidoGeorge Duby ou Jean Delumeau, mas foi um desses dois notáveis intelectuais que lamentou: “Nos acervos, há atas, discursos, anotações. Mas não há cartas de amor.” Quase não há. Quando, porém, aparecem, derrubam impérios, destronam reis, rompem auréolas de santos e humilham cabeças coroadas. Já se sabe que, diante de seu “valet de chambre”, nenhum rei mantém a majestade. Na Inglaterra, ainda hoje, inconfidências e traições de mordomos e camareiros reais abalam o trono elizabeteano.

A imprensa sabe mais do que divulga. E tem que ser assim. Pois, mesmo sendo histórias saborosas ou apenas sórdidas, quase todas elas – as não publicadas – produziriam efeito semelhante ao da lenda, quando apenas a criança, na multidão anestesiada, viu e mostrou: “olhem, o rei está nu.” Se revelada a nudez do rei ou da rainha, é-lhes estilhaçada a majestade. Daí…

“Saber que o outro sabe” é freio diplomático para evitar a guerra, mesmo sendo mais por esperteza do que por sabedoria, mais por um código de preservação do que por lealdade. Até as nações têm vidas privadas. Se desveladas as intimidades, nada sobra de pessoas, de instituições, de países. Para evitar a guerra, fazem-se avisos. A imprensa inteligente e séria é experiente nisso. Político, também. Antes de se chegar ao ponto limite de ruptura, insinua-se ao adversário: “Cuidado! Eu sei.” O bom entendedor entende. Desgraçadamente, há mais tolos do que se pensa.

Nas eleições dos Estados Unidos, esse limite está ameaçado especialmente pelos adeptos da candidatura de Joe Mcain. Os telhados são de vidro. Homens públicos sábios e experientes deveriam, apenas, sugerir e informar: “Cuidado! De suas coisas, eu também sei.” É a diplomacia dos bastidores. Quando se deixa a luva, é inevitável apanhar-se o fuzil. E, deflagrada a guerra, não sobra pedra sobre pedra. .

Há a hora certa de contar. E as coisas são reveladas quando público e privado se misturam, quando a petulância assume dimensão insuportável, próxima à loucura. Políticos e jornalistas jamais deveríamos nos esquecer do óbvio. Porque, por mais bonitos sejam os andores, quase sempre protegem santos de barro. Aliás, isso deveria valer em todas as relações humanas. Quando alguém não se dá respeito, perde o direito de exigi-lo.

O ódio é sempre devastador. Quando a vaidade de homens públicos se aproxima do patológico, há que surgir alguém que os advirta quanto aos pés de barro, ídolos falsos. Um amigo diria: “Cuidado. Quem avisa amigo é.” Quem tem ouvidos de ouvir ouve. Ouvidos de ouvir ouvem. Mas o tolo provoca até a exaustão, rompendo o limite da tolerância, que se esgota mesmo onde há civilidade. Ultrapassada a barreira, quem sabe conta. E, então, quem sobreviver verá. Será a guerra. Que não deixa sobreviventes. Pode acontecer nos Estados Unidos ou numa aldeia. Bom dia.

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