Do “Sujeirinha” ao chiquê

Andei fugindo do Mauro Vianna. Mas fiquei com saudade de ele, como pai, pegar em minha mão, dando conselhos. Beijos do Mauro, no entanto, desses ainda fujo e lhe nego permissão para ficar lambuzando-me. Pois, embora ele não goste de eu contar, há mais de meio século que fujo dos seus beijos históricos, seculares. Eu era criancinha, passava férias em Bauru e, já naqueles tempos, ele era “speaker” da rádio de lá. Isso mesmo: “speaker”. Era assim que se falava para locutores e radialistas. Que ele era “speaker” desde a II Guerra, dizia-se. E, conforme também fiquei sabendo, deve ter sido colega do Roquette Pinto, esse que virou estatueta. .

Mas não é do Mauro nem dos beijos dele que eu quero escrever. É da emoção que venho sentindo com transformações e requintes em Piracicaba. E do tempo que galopou. Quando imaginei, por exemplo, que, depois do “Sujeirinha”, eu iria ver, em Piracicaba, lugares requintados como os novos bares e restaurantes que se vão refinando mais e mais? Dizer que não tenho saudade do “Sujeirinha”, seria mentir. Mas asseguro e posso garantir: há lugares novos e especiais em Piracicaba, a cidade que começa a ter punhos de renda.

Naqueles tempos – e está na hora de eu escrever como nas histórias da carochinha, “era uma vez…” – jornalistas saíamos das redações por volta das duas, três horas da madrugada. O “Sujeirinha” era um dos nossos destinos, dos poucos que restavam àquelas horas. Era um boteco adorável, pertinho do Posto Cantagalo, um lugar, então, quase inacessível. O “Sujeirinha” servia carne de cobra, de rã e de jacaré. Com cerveja morna. E vejam como éramos modestos: ficávamos fascinados. Ou eram amores clandestinos que nos encantavam?

Depois das três da madrugada, o lugar para se tomar cerveja era a “Casa da Ruth”, nas cercanias do Jornal de Piracicaba. Era a zona do meretrício, ponto de encontro de intelectuais, jornalistas, políticos. E que se esclareça, ó criançada maliciosa: era lugar também para conversar. Houve presidente da Câmara que marcou sessão camarária na Casa da Ruth e isso ficou registrado. Candidaturas nasceram e morreram lá. A Ruth era amiga de delegados, deputados, governadores. E, para atazanar a vida do Romeu Ítalo Rípoli, o João Guidotti apelidou a zona de Ripolândia. Quase saiu tiro.

Nas proximidades da zona, Nestor Schllchting montou a primeira churrascaria de Piracicaba, na Avenida São Paulo. Mário Dedini gostava de saborear o churrasco do Gaúcho, levando amigos e prestigiando a casa. A desoras – gosto de escrever “a desoras”, coisas de antanho – as moças da Ruth apareciam. Mas somente depois de se certificarem que seo Mário e a comitiva dele já tinham saído. E vejam que bonito: o dr.Jacob Diehl Neto, quando se referia a elas, chamava-as de “mulheres de vida airada”. Eram tempos gentis.

Agora, a festa é outra, refinada, requintada, numa Piracicaba que se abre para uma polidez que parecia esquecida. Um estilo surge, ressurge, lembrando, talvez, velhos saraus, lugares de delicadezas. São a “finesse” sem ostentação, refinamentos sem esnobismo. Não cito nomes para não cometer injustiças, esquecendo de alguns, incluindo os que ainda não conheço. Mas eles estão aí, refinados, requintados. Estamos prontos para esse “Salto de Piracicaba” que começa a ser dado. Falta, penso eu, uma coluna como a do Mauro Vianna para anotar, registrar e narrar essa história que se desenvolve a partir da vida social de Piracicaba, como ocorreu no esplendor dos anos dourados. Estamos diante de um renascimento. Apesar de política e de políticos.

Quanto ao que se foi, cadê o “Sujeirinha” daqui? O gato comeu. O tempo passou, o vento levou. Bom dia.

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