Dona Romilda, professor Cotrim

Confrange-me o coração constatar o grau de miserabilidade a que se relegou o ensino básico – especialmente este – no Brasil. E me indigno diante do tratamento verdadeiramente indigno que o Estado dá aos professores, principalmente aos do ensino inicial. Por mais euforia exista em relação à atual fase de desenvolvimento do país, ele nunca será verdadeiro e estável se se mantiver a educação e o ensino como filhos bastardos e ignorados. A escola é a extensão do lar, todos sabíamos disso. Hoje, o quadro é dantesco: esfacelam-se lares, desmoralizam-se escolas. Pais são ignorados; professores, humilhados. Não há nação que sobreviva a esse estado de indigência moral e cívica.

Nesses meus quase sessenta anos de vida pública – e ao longo de minha já também longa vida pessoal – sinto-me perplexo, impotente e culpado participante dessas transformações brutais que nos atingiram, ao lado das fantásticas conquistas científico-tecnológicas. Parece-me, agora, ter havido um ajuste perfeito entre o desenvolvimento tecnológico e a decadência social. Quanto mais a tecnologia se fortaleceu e criou, mais o humanismo definhou e perdeu.

Insistir, porém, é preciso. Acreditar,também, mesmo quando o fundo do poço parece distante e sem indícios de luz ao final do túnel. Por isso, neste Dia do Professor, insisto em render minha homenagem a todos eles, deixando aflorar duas admiráveis personalidades, duas pessoas humanas memoráveis, dois professores que me marcaram a vida como ferro em brasa. Refiro-me a Romilda Casale, minha primeira professora e a Benedicto Antônio Cotrim, mestre dos mestres, meu inspirador e professor por toda a vida. Não me cansarei jamais de me referir a eles, pois vivem em minha memória, são pedras fundantes de minha história de vida.

Tenho pena de crianças que chamam – pateticamente,em entender – professoras de “tia”. Isso me soa como algo profano, pois a professora era a deusa, a santa, a mãe, a amada, a mestra, a enfermeira, a orientadora, a rainha. Dona Romilda foi tudo isso para mim. E eu a amei apaixonadamente, o meu primeiro grande e verdadeiro amor. Ela era linda, mocinha ainda, lá com seus 18 anos. E eu, um menino de apenas seis. Morávamos perto: ela, na rua Boa Morte, ao lado da antiga Matriz; meus pais, na esquina da mesma rua, com a Morais Barros.

Eu calculava o momento em que dona Romilda ia sair de casa para a escola para poder acompanhá-la. E voltávamos juntos. Eu andava nas nuvens ao lado dela, amando-a, deslumbrado com seu conhecimento e com sua generosidade. Um dia – perdido de amor – roubei umas flores silvestres, cheguei antes ao Externato São José, pulei a janela de nossa classe, deixei as flores na mesa dela. Quando, em fila, entramos na sala, dona Romilda estava com as flores nas mãos, olhando para mim. Enrubesci, como se tivesse feito coisa ruim.

O professor Cotrim foi e será, para todo o sempre, o grande mestre de minha vida. Foi, ao lado de meu pai, o modelo de homem para mim. Sua cultura, sua dignidade pessoal, sua generosidade, sua vocação para o magistério, sua sabedoria – o professor Cotrim, na minha visão de aprendiz, seria companheiro de Sócrates, Platão, Aristóteles na soberba Grécia da Antiguidade. Emociono-me ao me lembrar de quanto lhe devo em aprendizado e em lições de humanismo. E sinto pena das novas gerações que – num tempo de desordem e de desrespeitos – desconhecem o que seja um mestre da dimensão de Benedicto Antônio Cotrim.

Paro por aqui, dominado pela emoção, um misto de gratidão e de saudade. No Dia do Professor, homenageio a todos eles com minha gratidão a dona Romilda e ao professor Cotrim. Não consigo continuar. Bom dia.

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