Em busca da estrelinha azul

picture.aspxÉ um banco de pedra que, em noite clara, se torna poltrona. Pois, então, o palco, nas alturas, fica iluminado. E eu me sinto como que “vestido de dourado”. E “palhaço das perdidas ilusões”. Olho, porém, para os varais e não vejo “roupas comuns dependuradas, nas cordas, qual bandeiras agitadas”. E lamento. Pois elas “pareciam um estranho festival”. Tenho saudade: “estrelas salpicavam nosso chão” e a vida se tornava um “feriado nacional”.

Hoje, o que lamento é o céu ter limites. Sou homem da noite, do silêncio de madrugadas. Escrevo, penso, leio, reflito, medito e contemplo na escuridão das coisas. Mas preciso de espaços. Pois, quando o coração se me aprisiona no peito, preciso andar, buscar, ver imensidões. E, então, permitir que se me escapem, indo-se aos espaços, sentimentos aprisionados no coração.

Preciso olhar estrelas. Se não consigo vê-las ou ouvi-las, tenho que olhá-las, olhar para elas, apenas olhar. Na busca de identificar-me com uma que outra, tornar-me íntimo desta ou daquela. Olhar sem ver, apenas para descobrir que há milhões desconhecidas. E, então, sentir-me cada vez mais solitário, no exercício de aprender que nada e ninguém podem partilhar dos escondidos do coração. Mas, no lugar onde moro, o céu é limitado. E as estrelas são sempre as mesmas. Conheço-as, todas elas.

Quando mudo de posição e olho para o alto, de outro lado, há uma escandalosa e imensa mangueira que me impede de ver o céu. Vejo mangas, quando há mangas. E vejo folhas e sombras, quando não há mangas. E, pela frente de onde me ponho – e no silêncio das madrugadas – o meu céu se torna ainda menor Tornei-me íntimo de uma única estrela que brilha sem problemas existenciais. Eu a percebo assanhada demais, volúvel. Ela pisca para mim, pisca sem parar, uma estrela fácil, mundana. E o céu é pequeno e isso não é bom. As coisas ocultas em meu coração querem expandir-se e não conseguem voar, tropeçam antes de sair pelas imensidões do infinito. O sonho fica aprisionado e, então, eu invento.

Invento. De vez em quando, olho para a estrelinha assanhada, que pisca para mim, e lhe faço propostas, declarações de amor. Invento que ela é a minha mulher amada e que, ao lado dela, num raio-de-luar, irei fazer-lhe seresta. Provoco-a, convidando-a a passear: Quero tomar-lhe as mãos e, escondidos, ficar namorando numa nuvem escura que, mais à esquerda, brinca de ser montanha. Mas a estrela assanhada é tola, não acredita em mim. E não responde.

No outro lugar onde eu morava, havia, num escondido do céu imenso, uma estrelinha azul. Se volto a escrever sobre ela é da saudade tanta que eu tenho. Rabisquei num pedaço de papel o que aconteceu, na esperança de que, um dia, meus netos entendam e me perdoem. Foi numa noite de amor tão intenso que não resisti. Abri a janela, montei num raio-de-luar, andei pelos céus, fugi de anjos e aceitei o convite da Lua, tão nova ainda, mas mocinha, num quarto crescente. Foi uma lua de mel. Engravidei-a e, oito dias depois, nasceu-nos a nossa filha, a estrelinha azul.

Agora, angustio-me ao olhar um céu tão pequeno: minha estrelinha azul, cadê? Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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