Em busca do raio de luar

O texto foi publicado no dia 22 de dezembro de 1982 em O Diario e depois selecionando para o livro Bom Dia – Crônicas de Autoexílio e Prisão, lançado em 2014

Vou montar num raio de luar. Não sei quando, mas vou montar num raio de luar. Será numa noite silenciosa quando a cidade estiver dormindo e eu, insone, vigiando e esperando. Limparei, então, do rosto a última lágrima, fecharei o livro que estiver lendo, esperarei a frase ainda incompleta, deixarei de ouvir o acorde da melodia que me acompanha, fecharei a porta lentamente, direi adeus às ruas do jardim, beijarei suavemente mulher e filhos, montarei num raio de luar.

Tenho certeza, sei que ele virá numa dessas noites angustiadas quando a cidade dorme, enquanto eu permaneço insone, esperando e vigiando. Estou à sua espera desde o ventre de minha mãe. Fui fecundado na primavera e nasci em pleno inverno, pouco depois da mais fria noite do inverno, quando rojões espoucavam, saudando a noite anunciadora de João Batista. Nasci numa fria manhã de São João, mas foi na vivaz e esfuziante primavera quando pousei no ventre que me deu vida. E foi a primavera que me trouxe as primeiras sensações.

Sei hoje ter lutado para vir à luz num dia primaveril, quando as rosas estivessem desabrochando e, à noite, o luar azulasse o infinito. Pois nele, no infinito, estava o meu raio de luar, aquele que me chamava, tentando impedir-me que os olhos se abrissem para o mundo numa noite sombria de inverno. Foi aí o erro, pois, para que isso acontecesse, eu deveria ser fecundado numa noite de inverno, sendo aquecido no ventre batido pela noite fria. E assim nasceria numa manhã primaveril, quando um raio de sol me abrisse os olhos e então me arrebatasse para a aurora ou o entardecer de um horizonte incendiado de cores indefinidas. Daí então chegaria o meu raio de luar. E nele eu sairia montando para o infinito e, noite e dia, passearia por rosais floridos, detendo-me na dama da noite, feito um colibri apaixonado e insaciável, amante de todas as corolas, sugador de todos os polens.

Tive, sei disso, no ventre materno, a nostalgia de um amanhecer radioso num céu límpido, num céu prometedor de dias radiosos. E de anoiteceres pintalgados de estrelas bocejantes, precedidos da solitária estrela vespertina. É dela, da estrela vespertina, que virá meu raio de luar. E chegará silenciosamente, numa madrugada solitária. Então, montarei em seu dorso invisível e ir-me-ei embora pelo infinito, cavalgando por entre estrelas, banhado de luares, trocando o violão por uma cítara de anjo, enxugando a lágrima angustiada para no rosto gotejar um pingo de orvalho matutino.

Vou, sim, montar num raio de luar. Não sei quando, mas vou montar num raio de luar. E serei então um andarilho do infinito, de onde rirei das amarguras que conheci nos limites do meu tempo e do meu espaço. João Batista não entenderá que o menino, nascido no seu dia, se tenha tornado manso e diáfano como um simples e fugidio raio de luz. Haverá de acontecer, eu sei. Da minha janela, fico aguardando o anunciar de sua luz. Bom dia.

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