Entre o inefável e o nefando
O ser humano, como se fosse uma sina, equilibra-se e oscila entre o inefável e o nefando, entre a beleza e o horror, entre o sagrado e o profano. E contagiamo-nos com vícios e virtudes, com feiuras e belezas. Daí, então, a ancestral busca da sabedoria para podermos entender, algum dia ou por fim, que a colheita sempre dependerá da semeadura. Colhe-se o que se planta. E se sobrevive a semente ruim, o mal, que causa, é irrecuperável.
Num mundo de comunicações rápidas, eficazes e globais, a maioria de nós pensa estar a salvo de influências, como se acontecimentos graves ocorressem apenas com os outros. Quase nunca imaginamos que, como por osmose, tudo se propaga, se espalha, contagiando, seja para o bem, seja para o mal. Ocorre, apenas, que, nos meios massivos de comunicação, sobre a ordem tem prevalecido a desordem. Os exemplos de corrupção, de violência, de barbárie, de desrespeito e de incivilidade tornaram-se como que uma constante a ponto de se crer que os veículos são incapazes de sobreviver sem eles. Crimes, assaltos, guerras, explosões, ruídos incessantes, morticínios, atentados ao pudor e à dignidade humana, malandragens, adultérios tidos como suportáveis, infidelidades oficializadas e reconhecidas, amoralidades e imoralidades – eis a paisagem cotidiana para a qual se volta o olhar de nossa infância e juventude, sob a complacência de adultos.
É a exposição diária do nefando. Sem que, no entanto, se abra apenas uma sequer janela para o inefável, que se vem apresentando através de oportunismos religiosos e fundamentalistas. Nunca é demais lembrar das palavras proféticas ou apenas idealísticas de Dostoievski de que “a beleza salvará o mundo”. Não há duvidar disso. No entanto, são a feiúra e o horror que começam a destruir um mundo construído a partir de milenares reflexões sobre o humanismo e sua singularidade. O horror é transmissível tanto quanto a feiúra. E contagia como ela.
Essa tragédia no Rio de Janeiro, onde um psicopata repete o que já acontece nos Estados Unidos e na Europa, é chocante e abominável, mas não poderia ser vista como algo estranho. Por que seria estranho alguém, loucamente, matar inocentes, se é exatamente o que vemos todos os dias e noites nos programas de televisão, nos telejornais, em filmes e documentários? Por que seria estranho, se os jogos eletrônicos de nossos adolescentes, crianças, jovens são estímulos à violência, alimentando ódios e cultivando disputas rancorosas?
As relações humanas acontecem por contágio, como que numa das leis de Newton, provocando ações e reações. Cultura, educação são uma engenharia constante, um processo de sedimentação. Se, camada por camada, orientamos a partir do belo, do bom, do solidário, o alicerce será formado por argamassa sólida de beleza, de bondade e de solidariedade. Se, porém, cada camada for uma semeadura de horror, o solo será áspero e infértil ao que houver de generoso na dimensão humana.
Na escola do Rio de Janeiro, com crianças sacrificadas, o Nefando mostrou, mais uma vez, suas garras. E venceu o Inefável. Bom dia.