Falta mesa de bar
Esse texto foi publicado em outubro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperam para marcar os 30 anos de atuação em Piracicaba.
Há alguns anos, uns jovens me entrevistaram querendo saber o que eu achava que faltava à juventude atual. Não tive dúvidas e respondi: “botequim, mesa de bar”. Pouco se me dá se eles entenderam, mesmo porque experiência de vida é algo que não se transfere, de tão pessoal que é.
E eu, de minha parte, recuso-me a dar conselhos e transferir experiência de vida até mesmo a meus filhos. O máximo que faço é dizer o que penso, sugerir. Conselhos, não. Quem dá conselhos é o que se julga pleno conhecedor da vida, e eu sou apenas um aprendiz, continuo aprendendo.
Eu, até hoje, continuo olhando para meu próprio umbigo, inconformado com noções de certo e errado. Quando me apaixonei por Cristo, senti que a síntese da vida estava em sua fórmula insuperável: “amem-se uns aos outros”. Com o passar do tempo, porém, vi que aquele anúncio de vida fora manipulado, moralizado, institucionalizado, com regras, etiquetas, rituais.
Sofri muito. Pois sou homem de amar muito e intensamente, não sei viver sem estar apaixonado, sem intensas paixões: política, social, uma causa, uma ideia, um sonho, um objetivo, uma busca, uma pessoa, paixão pela vida. E de repente percebi que para viver numa instituição era preciso “enquadrar-se nas regras, viver nas normas, disciplinar as paixões”. Em resumo: seja bonzinho.
O pai que insiste em educar o filho nada mais faz do que transformá-lo em animal domesticado. O grande sonho dos ditadores, penso eu, são os computadores. Computador é o filho, a pessoa, o subordinado, a entidade produtiva e submissa ideal. Computador faz tudo que foi programado, pois computador é burro.
Pessoa, porém, é inteligente. Pessoa pensa e quem pensa complica. Criou-se o império da razão, a sociedade dos seres racionais. E, segundo o império da razão, as pessoas não podem guerrear entre si. E o Estado, que tem o império da lei, pode tudo. O cidadão pode pouco.
É preciso, pois, pensar, agir, sentir e viver conforme a lei do Estado, a lei dos homens que se deram o direito de ser intérpretes da vontade de Deus. E o pobrezinho do Jesus Cristo, o humilde do Jesus, olhou assustado para Pilatos quando este lhe perguntou sobre a Verdade. “A Verdade? O que é a Verdade”? Nem Cristo ousou dizer o que é a verdade, mas os homens a definem, os homens a determinam.
A vida, porém, confunde todas essas pretensões dos ditadores humanos. A aids está aí, complicando tudo. A Igreja não tem mais coragem de ficar pregando contra o uso da camisinha. A ciência dos homens quer apenas dar fórmula a tudo que existe. E tudo existe, apesar da ciência.
O que tem botequim, mesa de bar, a ver com tudo isso? Tem tudo. Isso é conversa de botequim, onde o humano acontece. Por onde andei, o melhor lugar é o botequim. É o único lugar que sobrou para as pessoas serem pessoas, seja em Piracicaba seja em Nova York. Tudo se resolve numa mesa de bar, num botequim. É o que sinta falta nos homens, hoje. Quando homem e mulher se reencontram numa mesa de bar, num botequim, tenho a impressão – mas é apenas impressão, experiência pessoal – de que eles se conhecerão melhor. Falo de botequins. Restaurante é outra coisa. Bom dia.