Futebol e religião

Futebol 2Felizmente – pelo menos para mim – a FIFA proibiu manifestações religiosas de jogadores de futebol durante a Copa do Mundo. Isso me alivia em relação a dúvidas ontológicas que me vêm dominando há algum tempo, desde quando surgiram os chamados “Atletas de Cristo”. A principal: para qual time, afinal de contas, Jesus Cristo torce? Pois, num Palmeira e Corinthians por exemplo, se o palmeirense marca o gol, lá vai ele, erguendo os braços para o alto, ajoelhando-se, mostrando a camiseta e agradecendo ao Senhor pelo gol que lhe foi proporcionado. E, algum tempo depois, lá vai o jogador corintiano fazendo o mesmo após marcar o seu gol. Fico em dúvida: o Jesus Cristo dessa turma está zombando deles, divertindo-se ou são pastores que estão fazendo enganações?

Outra dúvida, em relação aos favorecimentos de Deus em questões esportivas e nacionais, surgiu-me quando o Maradona marcou aquele gol com a mão, acabando por levar a Argentina ao título mundial. Felizes, “los hermanos” disseram ter sido “la mano de Diós”. Ora, bolas. Mas como foi isso possível, se sempre se soube que Deus é brasileiro? Aliás, para confirmar, já há quem diga que Lula anda com a certeza de ser uma das pessoas da trindade.

Quando o Corinthians ficou aqueles dolorosos 22 anos sem qualquer título, a religiosidade e as superstições se multiplicaram entre a multidão de corintianos. São Jorge teve o prestígio aumentado e, por outro lado, mães e pais de santos eram requisitados quase sempre a preço de ouro. Procurou-se, por muitos anos, o sapo que estaria enterrado no campinho do Parque São Jorge. Charutos eram acendidos, cachaça consumia-se em tonéis. E nada de o Corinthians ganhar. Até que um sábio baiano resolveu a questão: “Se macumba funcionasse, campeonato da Bahia terminaria sempre empatado.”

Ora, será quase impossível tirar do futebol toda a mística de superstições, manias, mesmo religiosidades que pulsam na alma dos torcedores. É um técnico que usa sempre a mesma camisa; são jogadores que entram sempre com o pé direito no gramado; um goleiro que dá três chutinhos na trave; um outro que, com o pé, risca na pequena área três cruzes; velas acesas em residências na hora do jogo; copinho de cachaça para o santo. Futebol e superstição parecem sinônimos ou irmãos siameses.

No entanto, vai-se tornando preocupante a influência de pastores de templos de garagem sobre jogadores e suas famílias, creditando a Deus vitórias, sucesso e o próprio talento dos atletas. Quando, há pouco, se soube que o garoto Neimar dá, mensalmente, 40 mil reais ao pastor da família e quando se lembra que Kaká é um dos principais financiadores da Renascer, cujos chefes estão com a polícia em seu encalço, há que se entender que, também no futebol, certa religiosidade está virando caso de polícia.

A FIFA quer evitar proselitismo, no que está certa. Mas o alvo, na realidade, são as manifestações islâmicas que atemorizam alguns países europeus, conflito entre culturas. Confesso ter lá minhas dúvidas a respeito de proibições de uso de véus, de burcas, de construção de minaretes. No entanto, em relação ao futebol, fico feliz pois a FIFA me dá um tempo para não mais me angustiar com a dúvida a respeito do time do coração de Jesus Cristo. Para mim, na verdade, se Jesus Cristo aparecesse entre nós, hoje, ele, inevitavelmente, estaria na arquibancada dos desvalidos corintianos, vivendo, na carne, essa vida, paixão e morte por um time que vive de sua própria fé estranha, esquisita, inexplicável. Ou há quem imagine Jesus entre a torcida do São Paulo, de terno e gravata, num camarote refrigerado do Morumbi? Bom dia.

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