Gosto de confete. E de serpentina.

SerpentinaOra, se é Carnaval, falemos dele, ainda. De minha parte, acho que a grande maioria das pessoas está fugindo de agitações e farras. Aliás, há um estudo da MTV que, buscando o perfil da juventude, surpreendeu-nos com uma grande, grata e animadora revelação: apenas 7% da juventude brasileira estão em baladas tolas, baladeiros ainda mais tolos. Todos os demais estão lutando pela vida, em busca de emprego, nas faculdades, nas universidades, no cotidiano do País.

Mas e então? Ora, os números são animadores para desfazerem-se alguns mitos e equívocos. Vejamos, por exemplo, Piracicaba, que parece absolutamente tomada e dominada por uma juventude de baladeiros. Ora, se tomarmos por base termos cerca de 100 mil jovens em Piracicaba, apenas 7 mil deles seriam baladeiros. E, no entanto, são os que aparecem, nos clubes, nas boates, nos bares, nas esquinas tumultuadas. Eles impressionam, preocupam, assustam. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar ou avaliar, não constituem a maioria.

Estamos em pleno Carnaval, como diria Castro Alves diante desses mares encapelados de magias, de seduções, de embriagamentos. Calcula-se, em São Paulo, que cerca de um milhão de pessoas deixaram as cidades e dirigiram-se às praias. Parecem números assustadores, mas não são. Diante de 20 milhões de pessoas, um milhão corresponde apenas a cinco(5%) por cento. Como nos tempos do DAndismo – e estamos globalmente neles, ainda que não o digamos – a grande lei era apenas uma alternativa: “parecer” ou “ser”. Tratava-se do “paraître diante do être”. Importava “parece”, pouco importava “ser. E, para isso, mais importante ainda era”aparecer”. Na sociedae atual do espetáculo, as pessoas parecem e aparecem, confirmando a previsão de Andy Wharol: “todos teremos direito a 15 minutos de fama”.

Há, porém, acho que, uma questão não resolvida: Carnaval ainda desestrutura pessoas de outras gerações. Podemos ter deixado de ir a bailes, a desfiles, a clubes. Mas o Carnaval ficou em quase todos nós, lembranças, nostalgia e saudade. Por isso, quando retornam esses dias dionisíacos, antecipando anúncios de quaresmas, é como se aqueles carnavais dourados continuassem vivos. Para mexer, cutucar, machucar, doer. Preferiria não existisse Carnaval. Mas existe. Fico, então, atoleimado, ainda mais recolhido. Mais do que saudade, é memória. Pois, do que se tem saudade, a memória fica.

Aí está, pois, a festa da carne. Novamente. Temos, os mais velhos, gosto de confete na boca. E fragrância de lança-perfume num lenço perdido. Há dor de vontade de outra vez. Pois ainda podemos ouvir a orquestra como se tocando apenas para nós, amando moças sem sequer ver-lhes os rostos. Fingíamos ser pierrôs e colombinas e arlequins. E fachos de luz iluminavam corpos e sonhos. Num instante, uma imagem de mulher se transformava em escultura de carne, ora com trejeitos de anjo, ora transfigurada em demônio. Pois os demônios de Carnaval fazem isso: fingem-se anjos num corpo e num rosto de mulher, na imaginação do homem. Carnaval é invenção.

Lembro-me sempre de versos, de uma melodia, da voz de Dalva de Oliveira que estilhaçava corações:

“Vê, estão voltando as flores/ Vê, nesta manhã tão linda/ Vê como é bonita a vida/Vê há esperança ainda.”

Em algum momento, em algum clube, essa música será cantada novamente. E ainda. E, como se fosse um destino, outros jovens viverão paixões de Carnaval, num pobre mundo que finge desconhecer ou condenar paixões, da mesma forma como teme relâmpagos na alma, terremotos no coração. O tremor diante do Carnaval talvez seja medo de deuses pagãos, da sedução e da humanidade deles, do retorno de Baco e Dioniso, libertadores de repressões, de moralismos assassinos, de racionalidades áridas, esterilizantes. Será?

Minha geração deveria, na verdade, retornar aos salões, homens e mulheres idosos, olhando-se nos olhos, de mãos dadas, apenas de mãos dadas. Para cantar e contar o que realmente aconteceu: “Vê., estão voltando as flores/ Vê, há esperança ainda.” Carnaval é um tempo também sagrado. Sem ele, não haveria Páscoa. Bom dia.

Crônica publicada n’A Província em 17/02/2007

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