Internautas ao amanhecer

picture (4)E não é que a internet passou a fazer parte do universo misterioso dos idosos? Antes, pessoas maduras vagavam solitariamente pelo tempo, vendo madrugadas e amanheceres, esperando anoiteceres. Agora, a internet faz parte dessa caminhada diurna do Oriente para o Ocidente da vida.

Há alguns anos, diante de recados recebidos de velhos amigos, incluindo o Lino Vitti, contei de meu doce espanto ao descobrir que a internet se tornara parte desses amanheceres meus, as matinadas, minhas matinas. Ora, antes desse milagre de navegação e de viagens eletrônicas, confesso que a festa de cada manhã se me anunciava por luzes tímidas e sons bocejantes. Ou por luzes bocejantes e sons tímidos. E havia os meus bocejos de cansaço, na experiência solitária – caminhando ao contrário – de ir repousar quando o mundo despertava. Sempre me pareceu aventura privilegiada – ou ventura – estar desperto para ver o dia nascer, apanhando-o de surpresa, um “voyeur” deslumbrado diante de maravilhas que se não repetem em cada manhã. Resumindo: esse ir dormir quase ao amanhecer sempre me trouxe o privilégio de matinas encantadas, como que assistindo à troca de guarda do mundo, o dia chegando para render a noite. Era a missa de cada dia, um magnificat, silencioso hino ambrosiano.

Não imaginei, no entanto, a internet pudesse ser parte dessas maravilhas. E comecei a percebê-la quando o Lino Vitti, antes das primeiras luminuras da manhã, passou a escrever-me, tornando-se meu poeta das manhãs, dos clareares, sonetos com sons de passarinhos. Houve tempo em que me acostumei: antes de o dia clarear, aguardar algum bilhetinho do Lino, ler o que o poeta escreveu. E, no descompasso de nossos tempos – ele, bebendo do sol; eu, de namoro com a lua – ficamos trocando de perplexidades. Pois elas se vão tornando mais amplas, espalhando-se como névoa, tantas e tantas que o coração se sobressalta de perplexidades que nada têm a ver com deslumbramentos. Perplexidade acho que assusta, como a escuridão atemoriza a criança. No escuro, há o medo pela impossibilidade de enxergar, de ver. A perplexidade assusta por impedir o entendimento.

Certa feita, naqueles colóquios das matinas, propus que o poeta liderasse um novo movimento social, em busca de uma última e necessária revolução com uma proposta transformadora: a busca da ética da estética, com raízes na sabedoria dos ancestrais. O belo das coisas e da vida deveria reger o comportamento individual e coletivo. A beleza seria a inspiração ética, a arte fundamentaria essa filosofia prática. E, então – no lugar de sábios ou de homens práticos, de economistas e de políticos – o mundo seria governado por artistas. Especialmente pelos poetas, com o Lino no comando. E, então, abandonaríamos essa tola prisão de, durante o dia e na feiúra do cotidiano, viver a vida em prosa e – à noite, no sonho e no sono – viver o mundo em poesia.

O povo haveria de gostar. Tenho certeza. Pois já existe, na alma das pessoas, essa semente da “ética da estética”. Basta ver elas agem e reagem a partir do belo, que é, também, o harmônico, o limpo, o radioso: nas rodoviárias e nas ruas, o povo suja o que já está feio; nos metrôs e nos museus, o mesmo povo fica estático e extático, parado e em êxtase diante da beleza. O povo, mais do que seu líderes, intui que museu é a “morada das musas” e, por isso, silencia, cultua, queda-se, como se estivesse em oração diante de um altar, num templo. A beleza contagia.

O artista – cultor do belo – é um imitador de Deus. Pois, convenhamos: para criar um mundo e um universo com tantas belezas, tinha que ser um Deus-artista. Um mundo estético é um mundo ético. Que os poetas e os artistas o recriem, pois criado já tinha sido. Essas, porém, são reflexões da vigília, quando a internet permite vôos ainda mais amplos, contemplações de amanheceres silenciosos e emocionados. Infelizmente, a epifania se dilui na feiúra da vulgaridade que se espalha à medida que os homens acordam. Bom dia.

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