Jovens poetas

O garoto cresceu mas ainda insiste: ele me escolheu para ensinar-lhe a escrever, a ser poeta. Ora, ainda não posso. Pois continuo sem saber. O aprendizado não acaba. Penitência diária, é qual o castigo de Sísifo, a pedra nas costas, a subida, a queda, o recomeço. Em cada dia. Em cada frase. Assim, não tenho o que dizer. Depois de Rilke, em sua carta ao jovem poeta, acrescentar o quê?

As palavras de Rilke são definitivas: “Pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: ´Sou mesmo forçado a escrever?` Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. (…) Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva cartas de amor.” E isso é tudo.

Continuo respondendo o mesmo que já falei a alguns outros jovens. Falei-lhes, falo-lhes de Rilke. Não sei para onde foram, onde se encontram. Se interromperam a caminhada, então, não conheceram a pressão diária, permanente, de “ser forçado a escrever”. É compulsão. E tudo se torna o ponto imóvel do poema de T.S.Eliot: “No ponto imóvel do mundo que gira. Nem carne, nem descarnado. Nem vindo de, nem indo para. No ponto imóvel, ali é a dança, mas nem imobilidade, nem movimento. E não a chamem fixidez, onde o passado e futuro se juntam. Nem movimento para algum lugar nem de algum lugar, nem ascensão nem declínio. Não haveria dança, e há apenas a dança. Posso dizer apenas ALI estivemos: mas não posso dizer onde.”

Como embriaguez, é-se tomado por aquilo que não se conhece. Mestres já escreveram sobre isso: Freud, Nietzsche, Mann, Joyce, Campbell, entre tantos. E, neles, houve a mesma agonia diante da criação, uma luta interior entre deuses e demônios, a entrega que ou será total ou será nada. Se a vida não for um susto e uma surpresa a cada dia, não haverá o que escrever, não existirá arte alguma. Se, numa prisão, todos os sons fossem impedidos de chegar ao artista, Rilke lembra que haverá “sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações.” E, aceitando esse destino, nada mais restará a fazer senão “carregar seu peso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.”

Refletir sobre cartas de jovens poetas é, na verdade, manter a reflexão diária, pergunta sem resposta, indagações sem fim. Ora, saber do que dizem aqueles autores não é tê-los na memória, mas estar com eles diariamente, buscando apoios, respostas e, até mesmo, companhia. A solidão é sem fim, mesmo que povoada de todos os fantasmas. E a arte é dor, uma exigência do exercitar a compaixão, diante de misérias e grandezas humanas, sem exceção. As grandes paixões acabam numa frase, num acorde, num rasgo de pintura. Vive-se delas por um tempo. Mas vive-se ainda mais no vazio delas. Não há sossego, não há descanso, não há certezas. Por isso, eu não gostaria que meus jovens leitores fossem poeta. Mas ele serão, se os deuses já os escolheram para penalizá-los.

Campbell, naquele poema de Eliott, consegue ver o ponto imóvel, onde está a dança. Segundo ele, somente o artista o descobre, ao contrário, por exemplo, de políticos. Pois político vê com um olho só: ou com o direito ou com o esquerdo. O artista vê com os dois olhos, que se abrem ao mesmo tempo. Então vê. “E há apenas a dança.” Daí, dói. Bom dia.

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