“Meu ódio será tua herança”

130806-OligarquiaFinanceiraA célebre frase de Oscar Wilde – o gênio também vitimado pelos ódios – ainda hoje leva a reflexões: “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida..”. Creio, porém, ser, a arte,  a reprodução da vida, de humanos  sentimentos, dores, alegria, deslumbramentos. A arte tentaria ser um resumo de tudo isso. E, ao mesmo tempo, é o retrato de um tempo com uma projeção profética para o futuro. O artista é o áugure de hoje. Ele ouve e vê, antes, os sinais dos tempos.

Em meu entender, isso tudo apareceu – numa literatura sórdida e com cores desarmônicas – nas últimas eleições. Pior ainda, continua, num desrespeito total à decisão das urnas e da maioria. Os ódios parecem ter aumentado e, pelo que já se percebe, irão  prosseguir numa sementeira de horror.

Na arte, filmes  reproduzem a vida e  descortinam o futuro. Um deles, talvez, possa, representar esse espetáculo de horrores a que assistimos. Trata-se de  “Meu ódio será tua herança”, um clássico do western,  entendido como uma visão artística da guerra do Vietnã. Não haverá qualquer exagero em dizer-se, mesmo como paródia, que o eleitorado vencido já fez essa promessa a Dilma Roussef: “Meu ódio será tua herança”. É uma gente raivosa  que, numa onda impressionante, não se preocupou com o Brasil e nem com o próprio candidato tucano. É uma aristocracia movida pelo ódio a Lula, pelo ódio ao PT – algo doentio que, no entanto, faz parte da gênese política de São Paulo. O povo paulista não tem votado por amor a alguma causa, mas por ódio a pessoas e propostas, como se tivesse o direito divino e exclusivo da escolha.

Ora, nasci apaixonado por minha cidade, pelo Brasil, por São Paulo. Eu acreditava São Paulo fosse o Brasil. Mas eu não conhecia o Brasil. Precisei – muitos anos depois – embrenhar-me nos grotões brasileiros, conhecer regiões e cidades distantes, culturas diferentes para mudar radicalmente de opinião: não era verdade que São Paulo fosse o Brasil. São Paulo é um outro país, diferente de todo o restante do Brasil. E o Brasil não é São Paulo.

A realidade é que nosso desenvolvimento – construído por imigrantes, trabalhado por nordestinos e nortisttas – levou-nos a um egoístico sentimento de reclusão. Somos um Estado à parte. Por isso, damo-nos – até mesmo por razões hereditárias – o direito de acreditar num estranho separatismo: ou o restante do Brasil se ajoelha diante de nós, ou nós enfrentamos o Brasil. Começou, nos 1600s, com a proclamação de Amador Bueno como “Rei de São Paulo”. E não mais se afastou do imaginário coletivo. As oligarquias paulistas nunca abriram mão de impor as suas condições, inspiradas pela imagem da “locomotiva que carrega todos os demais vagões.” O próprio lema paulista diz tudo: “Non ducor, duco” – não sou conduzido, conduzo.

Temos visto  um ódio visceral a tudo o que contrarie os privilégios de uma plutocracia qie se considera pétrea, como se fosse inesgotável o poder do dinheiro. O PT é apenas um pretexto, assim com o ódio a Dilma, ódio difuso e não explicado. O horror e o temor estão concentrados em Lula, o operário que desafiou e conseguiu vencer oligarcas e plutocratas. Não é, pois, à democracia que defendem, nem mesmo a um sistema capitalista que, para eles, parece nunca estar em crise. Defendem um “status quo” que pretendem seja eterno. Mudanças, para eles,  significam retorno, impedimento de avanços.

Ora, o Brasil é um país adolescente, em desenvolvimento e, por isso mesmo, em crise de adolescência. Mas cresce, é outro, com mil problemas e dificuldades. Mas mudou, saiu do marasmo, busca  ser mais justo.  E é essa mudança que incomoda e que perturba. Pois o bolo começa  a ser mais dividido, indignando os que desejam o bolo inteiro. Nos 1950s, o presidente Eisenhower, dos Estados Unidos, advertira o mundo para o que ele chamou de “Estado Militarista”, união das forças armadas com as forças econômicas. Aconteceu, com a participação de meios de comunicação fortalecidos.

A derrota dessas forças, nas últimas eleições, provou que toda pregação terrorista, depreciatória, alarmista, anunciando o caos econômico não deu certo. O povo não lê jornais e não vê debates em televisão. O povo ficou nas redes sociais. E, mais do que isso, conhece a realidade do novo Brasil na própria carne: viu  e viveu a sua melhoria de vida, o começar a ter  comida,  uma casinha onde morar, ir à escola, ter médicos cubanos à disposição. São Paulo não entendeu isso, pois já tem tais direitos em profusão.

Os ódios continuam. Será difícil governar. Antes, os tiranos adotavam a política do “fazer morrer e deixar viver”. Matava-se para que os privilegiados vivessem. Atualmente, a filosofia apenas mudou de esquema: “fazer viver e deixar morrer.”  Vivem os privilegiados, morrem os necessitados. O Brasil começa a mudar esse esquema pérfido. E causa indignação ao alto da pirâmide. A plutocracia fará tudo para impedir a governança. E, para Dilma, já mostrou o seu propósito: “Meu ódio será tua herança.”

Nas ruas, o ódio volta a clamar pelos militares. O ovo da serpentre começa a abrir-se.

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