Mistério dos leques

pictureTentando escrever a respeito de homens sem lenços, mulheres que deixaram de usar leques, esbarrei numa verdadeira onda de nostalgias que parece varrer nossos tempos. Jovens estão com saudade do que não viveram, com nostalgia de onde não estiveram. E isso me fortalece a convição, que foi herança de pensadores de todos os tempos: o homem é seu passado. O presente, este se lhe escapa. O futuro é hipótese.

Ouvi um rosário de saudade de gente jovem e, de Campinas, uma leitora – confirmando vazios dos tempos e a nostalgia nas pessoas – me narrou a amargura de seu filho, adolescente de 15 anos. O garoto – apesar da parafernália de videogames, de jogos de computador – sofria a saudade de seu velho “Atari”. E a mãe dele, a leitora, dizia sentir a mesma vontade que me doía na carne: a de comer pão com ovo feito por minha mãe.

r o sucesso, ainda, de Roberto Carlos, de Caetano, de Hebe Camargo, ouvir bandas jovens tocando música de fossa – isso causa um misto de apreensão e de perplexidade. Por que há, insistente, passado tão vivo? Por ter sido tão rico ou por nada tão bom ter acontecido capaz de sucedê-lo? Não sei. Mas sei que a história vem de trás. Hoje, será o ontem de amanhã. Então, penso em lenços e em leques.

Certa vez, refugiei-me numa praia deserta onde fiquei por bom tempo. Próximo dela, uma família me atendia na comida do cotidiano, cuidando de lavar-me e passar as roupas. Um dia, a lavadeira me devolveu os lenços dobrados como se fossem guardanapos. Na praia deserta, a mulher nunca vira lenços. Ou alguém que ainda os usasse. E eu ainda uso lenços. Dois. Como era adequado aos cavalheiros de antigamente.

Pois é isso: cavalheiros usavam dois lenços. E, conforme a situação, um terceiro, no bolsinho do paletó. Um deles, para uso pessoal: assoar o nariz, limpar suores. O outro, para oferecê-lo à dama – pois havia damas – se necessário: um espirro, gotinhas de suor no buço, lágrimas furtivas ou fingidas. Pois damas, vertiam lágrimas furtivas. Ou fingidas. E cavalheiros ofereciam-lhes o lenço, algumas vezes perfumado, código de aventuras, prévias de romance.

Lágrimas eram, também, símbolos. Delas, poetas diziam ser gotas de âmbar ou pérolas. Seduziam. Tímida, a moça derramava a lágrima, o pretendente estendia-lhe o lenço, ela sorria. E guardava o lenço, sinal de aceitação, promessa oculta. Se se confirmasse, o lenço seria guardado. Pois, devolvê-lo após ter secado a lágrima, seria invocar maus agouros para o amor anunciado.

Foi bonito. Delicadezas tantas que – haverá quem se ria disso! – o cavalheiro, ao tirar a dama para dançar, colocava um lenço na palma da mão onde a mulher pousaria a dela. Para que o humano suor da mão masculina não incomodasse a imaculada maciez da mão feminina. Isso tinha um nome: romance.

E os leques? Poucos ornatos femininos tiveram o poder de sedução deles. Aliás, leque tem simbolismos milenares, ritualísticos. Leques eram atiçadores do fogo sagrado e, também, os que podiam apagá-lo; podiam trazer bons espíritos e afastar os maus. Talvez, por isso, os olhares femininos se escondessem, misteriosa e sedutoramente, por trás de leques. Com eles, a mulher criava linguagens. Abrir e fechar um leque significava dizer: “você é cruel.” Abri-lo inteiramente era um convite: “espere-me”. Fechá-lo subitamente: “você não me interessa mais.”

Elas, com leques; eles, com lenços. Foi ainda ontem. E parece ter sido há mil anos. Bom dia.

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