Mito, o amor materno?

Dos tantos perturbadores livros que li ao longo da vida, um dos mais inquietantes foi “Um amor conquistado – Mito do amor materno”, da escritora francesa Elizabeth Badinter. Pensadora, filósofa, Badinter foi Ministra da Cultura da França no governo, que me lembre, de François Miterrand. O livro – “L´amour en plus”, no original francês – tenta mostrar que o amor materno não é inato. E os argumentos, provas, análises, pesquisas históricas, confronto entre culturas são de uma contundência lógica que, pelo menos em mim, causa inquietação. É como se a autora derrubasse toda uma estrutura emocional que manteve pelo menos a civilização ocidental. Badinter tenta provar que o amor materno, tal como nos foi posto no Ocidente, é um mito criado ao longo apenas dos últimos 250 anos.

Pois bem. Esse livro sempre me aflora à lembrança – sei lá se à consciência, se à razão objetiva – sempre que ouço mulheres conversando sobre filhos, casamento, maternidade. Confesso que isso me incomoda, pois, emocionalmente, não consigo conceber amor de mãe sem essa renúncia plena de que temos milhões de testemunhos em mulheres de todos os quadrantes. Mas há realidades tão contrárias a uma verdade já estabelecida que a inquietação retorna e, mesmo que o coração queira negá-lo, há momentos em que admito haver grandes doses de razão na pensadora francesa. É como se se estabelecesse um limite que, embora pareça tênue, acaba sendo fundamental: mulheres sadias, todas elas estão prontas para gerar filhos. Mas nem todas estão preparadas ou são vocacionadas para educá-los, para renunciar-se tanto e tanto pelo fruto de seu ventre.E não são, apenas, as mulheres que matam filhos, que os abandonam, que os negociam. São, também, muitas que os têm, que os amam, mas que não os transformam em prioridades da vida. Haveria, então, geradoras de filhos e mães.

Na recepção de um médico, ouvi três mulheres falando de filhos. Todas elas, mães. Com filhos em idades próximas. Duas delas, conversando, foram absolutamente claras em dizer que não trocaram, não trocam a maternidade pela profissão. Tem filhos e cuidam deles, mas com a ajuda essencial dos avós. Uma delas contrariava as demais: deixara profissão e atividades para cuidar dos filhos, para educá-los, para estar atenta. E dizia, com um orgulho até de vitória: “Como vou trocar cargos, funções, carreira por meus filhos? Eles são as pessoas mais importantes de minha vida. Mais do que meu marido, do que meus pais, do que meus irmãos.”

Acho que Elizabeth Badinter ficaria em dúvida ao ouvir as três mulheres numa sala de recepção de consultório médico. E pensei em mim mesmo, como pai, como marido, como quem viu a mãe dos filhos dedicar-se tão amorosamente a todos eles. Pensei nos mundos diferentes que já vivi e nesse novo mundo que estou vivendo. Pois, para meus filhos, quando crianças e adolescentes, eu e a mãe deles ensinávamos que “o lar não é lugar de ficar, mas para onde voltar.” Demos-lhes força e segurança para eles se irem para o mundo, forjarem suas carreiras, viverem seus sonhos, sabendo, porém, que, em momentos de dor e de frustrações, eles tinham o lugar de voltar: o lar. Ainda hoje, filhos meus, quarentões, dias há em que me telefonam: “Pai, preciso de colo de pai.” Retornam, fortalecem-se, retomam seus caminhos.

Hoje, estamos assistindo ao retorno de filhos, adolescentes e até mesmo crianças, para lugar nenhum.São milhares, talvez milhões, que retornam para suas casas mas os pais estão ausentes. E que ninguém insista em repetir a suprema tolice de que, hoje, a mulher tem que trabalhar. Não é verdade. A mulher trabalhou a vida toda, em todos os tempos. Parece-me, apenas, que, em outros tempos, elas sabiam estabelecer prioridades. Ou, então, Elizabeth Badinter tem razão e eu, medo de admitir que o amor materno pode ser um mito, ou apenas um amor conquistado. Sei lá. E bom dia.

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