Modelo de vida
Certa vez, conversava com um casal sexagenário, marido e mulher, ainda com muita vitalidade, e com a vantagem de terem chegado, com maturidade, àquela idade em que a sabedoria de viver começa a consolidar-se. Estavam, porém, inquietos, aquela inquietação que surge do conflito dos tempos. A preocupação era com os netos. Pois na escola que as crianças frequentam, realizou-se um teste vocacional e, diante dos resultados, a redação dos orientadores pedagógicos tinha surpreendido desagradavelmente aqueles avós.
Ocorrera que, após os testes, grande número de crianças mostrava aptidões – e queria segui-las – para atividades e profissões que nada tinham a ver com cursos universitários ou com estudos mais aprofundados. Coisas assim: ser jardineiro, motorista de caminhão, ter um posto de gasolina, um restaurante. Aqueles avós sexagenários estavam assustados, pois pertencem a um geração – da qual a minha também faz parte – em que havia um sonho, quase que uma obrigação: dar, aos filhos, um diploma universitário, como se isso fosse a melhor herança, o melhor preparo para a vida.
Naquele mesmo dia, conversei com outra senhora, já com seus 80 anos, contava, mas com serenidade, a decisão que seu filho, já próximo de ser cinquentão, estava tomando: o homem é médico, mas a sua paixão é a música. Estava, ele, pronto para fechar seu consultório e recomeçar a vida, entregando-se à música.
A conclusão primeira a que cheguei, numa observação simplista e sem maior profundidade, foi a de que, continuamos trilhando por caminhos errados, de geração em geração, há muitas décadas. Pensamos em dar, aos filhos, a profissão, o diploma, talvez o título. E acabamos nos esquecendo de uma questão muito simples, mas que, embora difícil, é a essencial: a busca de ser feliz.
Os pais costumamos dizer, sinceramente, que desejamos, aos filhos, apenas que eles sejam felizes. No entanto, a visão de felicidade é nossa, são nossos os parâmetros. Ser feliz tem-se resumido em dar aos filhos um diploma vê-los casarem-se, terem filhos, êxito na profissão, a casa própria, a estabilidade financeira e, depois, a aposentadoria. E, finalmente, esperar a morte chegar.
Se um filho quer ser jardineiro e, com isso, realiza seus sonhos e se sente feliz – por que impedi-lo? Dia chega, a qualquer pessoa, em que ela se vê diante de opções. E, então, joga tudo fora e começa de novo. Por que, então, não permitir que comecem de onde querem? Inventou-se um modelo de vida. Mas a vida não tem modelo.
Publicada originalmente na Tribuna Piracicabana em 23/03/1993