Não é possível esquecer Getúlio
Fernando Henrique Cardoso deveria – fossem verdadeiramente honestos os meios de comunicação – passar para a história também por dois pronunciamentos reveladores. Primeiro: “Esqueçam tudo o que escrevi”, após aliar-se à doutrina do Banco Mundial. E a segunda: “Vamos acabar com a Era Getulista no Brasil.” Estava, assim, resumida e anunciada a sua doutrina política. Ele renegava a antiga visão da “Teoria da Dependência”, que apaixonara intelectuais brasileiros como análise de novos caminhos para o desenvolvimento.
Mas a verdade irrefutável – e a história verdadeira está aí para confirmar – é a de que o primeiro grande estadista brasileiro foi o presidente Getúlio Vargas. Os paulistas – ainda dominados pelo espírito dos barões do café, dos quatrocentões – odeiam Getúlio há mais de 80 anos. E, sim, ele implantou a ditadura getulista que durou por 15 anos. Até hoje, os mesmos adversários o odeiam por isso, ocultando, porém, o momento histórico mundial em que aquilo acontecera. O fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o franquismo na Espanha, o salazarismo em Portugal revelaram formas de governo que se espalharam pelo mundo, em especial pela América do Sul. Os próprios Estados Unidos, ao início, chegaram a admirar a obra de Mussolini, a recuperação da Alemanha sob Hítler. Tanto assim que demoraram muito a participar da II Grande Guerra, quando os horrores do nazi-fascismo já foram desmascarados. Fizeram-no, na verdade, mais repartir o bolo e neutralizar a União Soviética do que para conter o próprio Hitler.
Getúlio, no Brasil, Perón, na Argentina – inspiraram-se naqueles modelos para desenvolver nossos países. Era, digamos assim, a “moda de uma época”. E foi Getúlio quem criou o verdadeiro Estado Brasileiro, pois éramos um país sem ser um estado. Apesar dos porões da ditadura – que eram quase infantis diante do que aconteceria em 1964 – Getúlio Vargas soube negociar para a construção de Volta Redonda, primeiro grande impulso para a industrialização brasileira. E foi ele – retornando como presidente e não mais como ditador, carregado nos braços do povo – quem criou a Petrobrás, sacudindo o orgulho da nação com o grito “O petróleo é nosso”. E, depois, a Eletrobrás. Foi quando atingiu o grande vespeiro dos interesses internacionais, conseguindo unir, contra si, o que de mais retrógrado e conservantista havia no Brasil.
No próximo dia 24 de agosto deste 2014, o suicídio de Getúlio Vargas completará 60 anos. Até aqui, há silêncio a respeito daquele martírio. Pois foi martírio o que Getúlio viveu, um homem pessoalmente honesto e honrado, que descobriu haver, sob os seus pés, um “mar de lama”, alimentado por subalternos seus. A comoção popular ao anúncio de sua morte nunca mais aconteceu de forma tão espontânea, verdadeira e assustadora. Ele se tornara, para sempre, um mártir.
Getúlio, em sua carta-testamento, concluíra profeticamente: “Eu vos dei a minha vida. Agora, vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
Por mais que, ainda, queiram denegrir-lhe a imagem; por mais que, ainda, tenham medo de sua influência moral; por mais que desejam apagá-lo da memória nacional, Getúlio Vargas está na alma de seu povo, como o futebol e o samba. E, realmente, saiu da vida e entrou na História. Seus adversários, mortos, são lembrados como Judas traidores e infelizes. Os que sobraram irão para o limbo do tempo. Bom dia.
Parabéns pelo artigo .