Natal de faz-de-conta

Machucava-me, o Natal. Ou, no Natal, era eu que me machucava. Não sei. Mas, por ser tolice procurar saber, engulo a saudade tanta, dou a mão aos fantasmas, convoco meus mortos queridos e saio por aí em busca de delicadezas. Pois, fosse pouco a Cristandade celebrar seu Cristo, Natal deveria valer, também, pelas delicadezas. Se a humanidade pára, por que não parar com o coração a descoberto? E por que não confessar, então, que adultos apenas sobrevivemos por força dos pedacinhos infantis do coração?

Para o Natal não me machucar – ou não machucar-me, eu, a mim próprio, no Natal – volto a insistir no meu faz-de-conta. E faço de conta que Papai Noel existe e faço de conta que é tempo de fraternidade e faço de conta que, em cada rua, surge a estrela de Belém e há corais sussurrantes de anjos e violinos espalhando maviosidades e incenso perfumando os ambientes. Faço de conta que, nas ruas, há ouro, incenso e mirra. E que cada adulto é um rei mago rendendo-se a quem nasce ou a quem é pequenino, pois é deles, dos que nascem e dos pequeninos, que nos chega a boa nova.

Durante muito tempo, vi a Associação Comercial de Piracicaba insistindo, com comerciante, especialmente os da rua Governador, para enfeitar as ruas, para embelezar a cidade, para espalhar delicadezas. A Prefeitura quase nunca participa efetivamente, a não ser com remendos, pois sabemos que políticos dizem não ter dinheiro para o faz-de-conta do povo, apenas para os deles. Houve um tempo em que a ACIPI criou um esquema de apenas 80 reais por cada comercial, divididos em quatro parcelas de 20 reais para levar sonho e encantamento àquela rua que ficou tão feia. É isso mesmo, não me enganei ao escrever e nem o leitor, ao ler: 80 reais por casa comercial, em quatro parcelas de 20 reais. À época, houve comerciante que se queixou, achando muito alto o preço para dar, ao povo, um pouco de sonho, esses 80 reais. Em quatro parcelas de 20.

Com o coração aberto – e doído, nessa melancolia natalina – prefiro não opinar sobre o preço da delicadeza. Não gosto de histórias de avarentos, especialmente em Natal. Pois eles são incapazes de viver deslumbramentos de luzes e de cores e de sons natalinos. É festa de faz de conta e, nela, não há apenas caderneta de ter e haver. É preciso entender que, mais do que a rudeza do real, há que se buscar o ideal da fantasia e da beleza. Se houver quem não queira enxergar, será uma pena.

Mas não quero opinar. Em tempos de Natal, saio em busca de delicadezas. Onde não as encontrar, evito ficar. Quero ver árvore de Natal, quero ver vitrinas bonitas, luzes, lâmpadas coloridas. Quero ver Papai Noel, quero ver estrelas cadentes. Quero ouvir anjos sussurrando, sons de violinos e de vozes celestiais. E quero meus pulmões aspirando perfume de cedro e incenso de mirra.

Se não encontrar por aqui, saio por aí. Há multidões, em todo o Brasil, peregrinando, atraídas por cidades enfeitadas para o Natal. Existem cidades inteligentes. E elas fazem, da beleza, atração turística. Em todo o país, shoppings investiram fortunas imensas nessas delicadezas. Eles sabem da importância de acreditar no sonho até mesmo por esperteza.

De minha parte, brinco de fazer de conta, imaginando, no Natal, uma Piracicaba brincalhã de belezas. Então, vejo ruas floridas, iluminadas, papais noéis nas calçadas, grupos musicais e canções suaves em esquinas, crianças ganhando balas, vitrinas coloridas, anjos de mentirinha cantando “paz na terra”. E sendo ouvidos pelos homens de boa vontade.

Mas eu apenas brinco de fazer-de-conta. Bom dia.

Deixe uma resposta