Jesus da Madona

Um outro Natal passou e me vi, ainda, escrevendo sobre o assunto. Prometi-me que foi a última vez, pois, a partir de 2010, meus projetos de vida são outros. Por outro lado – completando 54 anos de tantas escrevinhações sobre Natal – nem mais saberia o que escrever a respeito. Nem a favor, nem contra. Já impliquei com Jesus, já detestei Papai Noel. Também louvei um e louvei outro. E sofri por ambos. Ideologicamente, nenhum deles – em tempos natalinos – respondeu às minhas indignações, comprometidos que sempre estiveram com presentes e noite feliz: o menino nascendo, festejado com ouro, incenso, mirra; o gorducho entrando por chaminés, a sacola abarrotada de presentes destinados, no entanto, apenas a crianças já pródigas.

Assim como o Lula faz hoje, eu me preocupava com as criancinhas pobres e me perguntava: por quê Jesus e Papai Noel não levam presentes aos coitadinhos? Sem respostas, eu xingava Vaticano e Washington, imaginando noites de Natal com Fidel Castro representando um Papai Noel barbudo e revolucionário, Che Guevara fazendo o papel do Menino Jesus adulto. Eu sabia que, com os dois ex-guerrilheiros, injustiças e tristezas seriam as mesmas: uns tendo tudo; outros, nada ou quase nada. Mas imaginei Fidel e Guevara – nos papéis de Papai Noel e de Jesus – como solução autenticamente comunista: com eles, ninguém teria nada. E, quando a miséria é coletiva, a desgraça é comum. Foi quando apareceu Joãosinho Trinta para atrapalhar: “intelectual é que gosta de miséria: pobre gosta de luxo.” Comecei a entender.

Neste Natal, foi outra, a dúvida: não sei se deixei de ser intelectual, pois não gosto de miséria, ou se me tornei ainda mais pobre, já que fiquei doido, doidinho, para viver todos os luxos natalinos: luzes, vitrinas, presentes, champanhas, o bom e o melhor. De gente faminta e infeliz, o Lula que cuide, que eu não prometi “Fome Zero” para ninguém. Pelo contrário: até tentei participar, colaborar, mas não deu certo. Dei-me o direito de viver dias de tucanato, com lantejoulas e chiquê. Lembram-se de quando Fernando Henrique contou ter comido, em Paris, buchada de bode, mas com o nome de “tripes à la Caen”? E tenho certeza de, na intimidade familiar, ele referir-se a Papai Noel como Père Nöel. Ele sabe como é mais gostoso o francês.

Decidi viver delícias pessoais natalinas e qualquer psicanalista iniciante haverá de entender minha decisão. Reatei as relações com Noel, o velho barrigudo. Vinguei-me, neste Natal. Desde o início de dezembro, tornei-me Papai Noel de mim mesmo. Acessei o botão, entrei na internet, vi-me montado num trenó puxado por belíssima rena, saí pelo mundo virtual.

E fui presenteando-me, divertindo-me. Entrei num sebo eletrônico, encontrei um livro antigo, em livraria de Manaus. Comprei. E comecei a perceber que poderia, se quisesse, fazer um Natal fantástico só na base de bugigangas. Papai Noel, descobri, estará superado dentro de pouco tempo. Com internet, cartão de crédito, faz-se a festa sem sair de casa, sem suportar a multidão delirante, suada e mal-cheirosa nas ruas. Fui comprando, comprando e comprei até mesmo um computadorzinho que achei ideal para, se eu quiser, guardar dentro da cueca, como fazem políticos com dinheiro do povo.

E realizei a deliciosa aventura de compras eletrônicas em supermercado. Foi uma festa, obedecendo às ordens do presidente Lula: “compre, compre, compre.” E mandei bala no bom e no melhor, coisas sedutoras que nem sei para que servem, mas atrativas de se ver. E me vinguei, também, de minha mulher e da cozinheira, que sempre me chamaram de incompetente para escolher frutas e verduras. Ora, e vou lá, eu, saber o que está dentro de um abacaxi? Aprendi a puxar uma tirinha da coroa dele: se sair fácil, estaria bom por dentro; se resistir, estaria verde. Mas nunca deu certo. Pela internet, tudo veio certinho, bonitinho, em embalagens especiais. Senti-me Papai Noel de mim mesmo. E de tal forma usei e abusei do cartão de crédito que, agora, só me resta esperar a fatura para o ano que vem e ver como pagar os meus luxos deliciosos, quase eróticos, excitantes, garanto que afrodisíacos.

Posso assegurar: nem aquele bonitão, o Jesus da popstar Madona, ficou tão alegre e satisfeito como eu. Quanto ao outro Jesus, coitadinho, continuou esquecido e com um já traçado destino cruel: o de nascer em plena festa, viver na pobreza, proclamando esperanças para, enfim, morrer crucificado. Em tempos só de prazeres e de gozos, o Jesus, na cama da Madona, atrai mais a moçada do que o Menino Jesus, numa estrebaria e nos braços de Maria. Se não é assim, tem sido. E bom dia.

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