Natal de um bobo

picture (8)Há os que nascem bobos, os que ficam e se tornam bobos. E os que fingem. D minha parte e quanto a mim, admito as possibilidades diversas que, na realidade, não se excluem. Pelo contrário,complementam-se. Pois ser ou estar bobo são um estado ou circunstância singularíssimas num mundo e num tempo em que todos se dizem e se julgam espertos. E se o bobo fosse o mais esperto de todos?

Admito ser bobo de nascença e, também, por conveniência. Tenho cara de bobo, jeitão de bobo, fazem-me de bobo, passo por bobo, faço-me bobo e finjo-me bobo e de bobo. Mas burro, lá isso não o sou. A bobeira pode ser uma diferenciada forma de inteligência. Espero que assim seja.

Eis aí Natal, um outro. Deixei de sofrer por angústias natalinas, sofrer de saudade, de vazios, de melancolias, de ausências queridas. Natal é representação. E ninguém deve reclamar ou amargurar-se diante da arte, que imita a vida. Natal é encenação fundamental desse teatro da vida cristã. Natal é memória. E, quando chega, há que ser vivido como quem recolhe fragmentos de sua própria memória. Assim, cada Natal é o Natal de minhas memórias de Natal. Para mim, que sou bobo.

Cada vez com mais bobeiras e bobices, lá vou eu construindo o meu mundo pessoal, arquitetura e engenharia cotidianas, como formiga ou abelha, na faina amorável do prosaico. A vida é prosaica, da prosa. O sonho é da poesia. O segredo, acho eu, está em poetar a prosa e, contrabalançando, prosear a poesia. Sonha-se, então, com os pés no chão. E anda-se com a alma voando. São coisas de bobo e – bobo que sou – lá as vou tecendo conforme a minha própria visão de paraíso.

O fato é que minha gente também já se agita diante do Natal, esse mistério de celebrações imemoriais, atávicas. E eu – como o pai dos filhos pródigos – ficava à espera deles, todo ansioso e dominado por emoções. Agora, sou eu que vou para onde eles e os netos estão. Para mim, todos são crianças. E, no entanto, para eles, a criança sou eu, o pai envelhecendo, o avô compreensivo. Então, finjo que eles sabem tudo e – ampliando a minha bobeira de nascença – faço-me de bobo por conveniência, mais experiente na esperteza. Assim, mudei de tática: antes, eu lhes pedia que não tivessem despesas comigo; agora, já vou perguntando, com olhar pidonho: “Ei, que presente vocês vão me dar?” Fiz as contas: cinco filhos, sete netos, uma nora, três genros – 16 presentes de Natal!

Ao primeiro que me perguntou, pedi um CD de Edith Piaf, um, porém, em que ela cante, pelo menos, “Padam Padam” e “Mon Dieu”. E, aos demais filhos e netos, quero pedir CDs de Silvinha Telles, Claudete Soares, Elizeth Cardoso, Maysa, Isaurinha Garcia, Agostinho dos Santos, Cartola, sem falar de Vinicius, Jobim, Francis Hime, Edu Lobo, Vandré e, obviamente, Chico. E mais: Bing Crosby, tudo de Cole Porter, Nat King Cole, Sarah Vaughn, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, Chet Baker, Miles Davis, Johnny Mathis, Pat Boone, Elvis, Billy Ekistine, Billy Holliday, Charles Aznavour, Domenico Modugno, Frank Sinatra, Tony Bennet…

Quando percebi, são mais do que 16 os presentes que, fingindo bobeira, estou tentando abocanhar de meus descendentes. Vou apelar à filha primogênita, para ser intermediária com os demais e choramingar: “ Filha bem amada. Nessa idade, este pode ser o último Natal de seu pai com vocês.” Irei fungar e, bobamente, sugerir: “CDs estão baratinho. Em vez de um, porque cada um de vocês não me presenteia com três?” Pois já fiz as contas: 16×3 = 48. Seria um Natal de bobo com bom tamanho. Bom dia.

Deixe uma resposta