O injustiçado Papai Noel.

Cada vez mais me convenço de que a injustiça, sob as mais diversas formas, quase sempre ocorre pelo mau humor. Pessoas mal-humoradas acostumam-se, de uma certa maneira melancólica, a olhar o mundo, a vida, os acontecimentos com desânimo, tristeza e desconforto. O sucesso de alguém ou de muitos incomoda o mal-humorado. E a alegria é tida como um dos mais terríveis adversários, senão o melhor antídoto, para o mau humor. Se isso não for de todo verdadeiro, reivindico seja, pelo menos, parte da verdade.

Há poucos dias, um padre sei lá de onde decidiu banir Papai Noel das festividades de fim de ano, das celebrações de Natal. No mínimo, o homem é um mal-humorado, daqueles que não podem, sem se sentir incomodados, estar diante da alegria alheia. Papai Noel faz parte, sim, do Natal e não é uma realidade que nos acompanha apenas nos últimos tempos, os tais tempos consumistas e materialistas. A figura de Papai Noel é milenar e tem raízes na própria Igreja Católica, inspirada na figura histórica de São Nicolau, constando do folclore grego e bizantino. Tratava-se de um bispo da Turquia, Nicolau Taumaturgo, que, no século IV, ajudava os necessitados, levando moedas de ouro e deixando-as através das chaminés. As variações, que culminaram com a figura gorda e colorida de Papai Noel, foram muitas, mas a idéia principal foi mantida, a de um homem generoso, bom, amigo de crianças e necessitados.

Muitos e muitos anos depois, já nos 1930, a Coca Cola se aproveitou comercialmente da figura que fora criada por um artista plástico ainda no século 19. Essa associação entre Papai Noel e Coca Cola acabou por despertar idiossincrasias e arrepios político-ideológicos, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. E Papai Noel, pouco a pouco, se tornou como que um adversário feroz e pagão do Menino Jesus, a quem se deveriam voltar todas as atenções por seu aniversário natalício no dia 24 de dezembro, que é uma outra convenção. E temos aí um novo posicionamento dos mal-humorados: Papai Noel não serve, por ser símbolo do capitalismo e do consumismo; Menino Jesus também não serve, por ser uma criação não provada. E haja bílis a ser descarregada nas festas de fim de ano, quando os sinos bimbalham, quando as cores explodem, quando as famílias vão em busca de, pelo menos, um pouco de paz.

Papai Noel, pois, tem sido injustiçado e eu mesmo, confesso-o, tive minhas implicâncias tolas em relação a ele, muito mais causadas por idiossincrasias do que por razões verdadeiras e justificáveis. Ora, goste-se ou não, o fato é que Papai Noel deu uma goleada impressionante, em tempos de Natal, no Menino Jesus, que fica deitadinho na manjedoura, no presépio, imóvel e imobilizado, enquanto Papai Noel, todo lépido e lampeiro, apesar de gordo e com roupas exóticas para o nosso Verão, anda por aí, com sacolas cheias, com trenós e renas, levando sonhos, satisfazendo desejos, com mensagens alegres e alvissareiras. Quem tiver coragem, pergunte a uma criança quem mais lhe agrada: um triste Menino Jesus, impassível na manjedoura, um alegre Papai Noel com sua risada gorda e sacolas de presentes.

Sei lá o que aconteceu, como as coisas se precipitaram, mas me lembro de, na minha infância, o Natal ser uma celebração mais frugal, mais familiar, mais reflexiva, com ênfase em Jesus Cristo. Havia árvores, bolas, presentes, ceias. Mas discretos. E, então, a grande festa das crianças ocorria no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, quando elas recebiam presentes colocados em seus sapatos. Era uma rememoração da chegada dos Reis Magos à manjedoura, presenteando com incenso, ouro e mirra a criança prometida. Era assim. Apenas não sei dizer se ocorria em todo lugar ou em minha casa, numa tradição familiar de inspiração árabe. Sei lá. Sei, apenas, que é preciso fazer justiça a Papai Noel. Ele é a alegria da festa. Bom dia.

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