O muçulmano na ONU

picture (9)O Sol nasce no Oriente e se põe no Ocidente. E essa certeza existe desde quando o homem ergueu os olhos para o alto e percebeu a imensidão do universo. Imaginando a sua aldeia como umbigo do mundo, o homem – desde a remota Antigüidade – criou explicações. Precisou delas. E ainda precisa. Foi diante do Sol que se buscaram as primeiras convicções: o Sol como deus, o Sol como ponto vital de referência, o Sol como certeza, enquanto a Lua, misteriosa, permitia dúvidas e elucubrações.

O Sol sempre esteve onde ainda está. E, mesmo quando se descobriu a Terra não ser plana e nem o centro do universo, o Sol continuou uma certeza em nossas vidas. Pois quase ninguém, no seu cotidiano, imagina a Terra rodando em torno do Sol. Pensamos como se o Sol tudo pudesse, conseguindo, ao mesmo tempo, ser imóvel e ser caminhante: é o Sol que nasce no alvorecer e é o Sol que se põe ao entardecer. O Sol caminha, eis o que ainda vive em nossa memória ancestral. E, portanto, em nossas vidas.

Ora, se o Sol continua nascendo e morrendo, ele nasce no Oriente e morre no Ocidente. O Sol nasce, pois, no Norte. E morre no Sul. Portanto, Oriente e Ocidente são antípodas, opostos, contrários. Na Antigüidade, os orientais olhavam para o Ocidente e viam o que era real para eles: “o caminho dos mortos”. Pois era no Ocidente que o Sol morria, que a vida se escondia, que a vida acabava.

A certeza é tão poderosa que as palavras, a ação ainda permanecem com seus significados perturbadores. A quem se perde de si mesmo ou de algum lugar, dele se diz estar des-norteado, o que não tem ou o que perdeu o Norte. E o desnorteado é, também, des-orientado, aquele que perdeu o caminho do Oriente, a orientação. Logo, sem Norte e sem Oriente, perde a vida e caminha para a morte. E o que marca a alma humana.

O discurso do presidente do Iran na ONU – tão estranho à civilização dita cristã – revela o profundo fosso que separa o homem ocidental do homem oriental, a quase impossibilidade de convivência do Oriente e do Ocidente em nível de valores. Pois há marcas sérias no inconsciente coletivo: o Oriente é a poesia, a filosofia, a luz, a reflexão, a calma, a fé e a emoção; o Ocidente é a prosa, a produção, a sombra, a ação, a pressa, a racionalidade e o secularismo.

Um diplomata muçulmano tentou explicar a indignação do Oriente diante do que, para os islâmicos, é incompreensível. Sucinto, revelou a dimensão do conflito: “O Ocidente não respeita seus próprios valores, por que haveria de respeitar os do Oriente?” De um lado, a vociferação dos jornais em defesa da liberdade de divulgar, de pensar, sem limites claros, como se a democracia fosse um bem absoluto. E, de outro, a rigidez monolítica diante de valores que, para os ocidentais, parecem arcaicos, superados, questões de fanáticos e de ignorantes. A surdez impossibilita o diálogo.

Esse novo incêndio entre civilizações e culturas parecerá ridículo, se banalizado a uma simples, ainda que preocupante, questão de terroristas, mesmo que se não explique bem qual a diferença essencial entre o terrorismo de um suicida e o terrorismo de Estado. Mas o conflito nos explica o mundo: o Oriente ainda nos olha, ao Ocidente, como o lugar onde o Sol se põe, o “caminho dos mortos”. E, de nossa parte, nada sabemos do Oriente, des-orientados, des-norteados.

Sem qualquer vontade de conhecer, o “lugar dos mortos” acredita comandar o mundo pela força, pelo poder, pela economia. E Cristo e Jeová não conseguem subjugar Maomé. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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