Pais sábios, meninos loucos

picture (56)Quando se percebem os horrores de nova guerra no Líbano, lembro-me do menino que, no esplendor de seus 17 anos, morreu nessa violência suja do Oriente Médio, odiosa para todos os envolvidos que apenas repetem horrores ancestrais. O garoto morreu em nome de Alá, acreditando em “guerra santa”. E a mãe dele rendeu graças, orgulhosa de, em sua família, haver um mártir. Naquela oportunidade, meu medo aumentou e, para disfarçar, fui ajudar o jardineiro a preparar a terra, o Outono repousando para a próxima gestação. Não me peçam explicações, mas estou movido por uma consciência inabalável de ser preciso preservar o pouco que resta. Enlouquecemos.

Ora, não são mais meninos guerrilheiros que me espantam. Pois meninos como que nascem guerrilheiros. Houve – quem se lembra? – um garoto brasileiro que fugiu, querendo ser guerrilheiro na Colômbia. Até o aplaudi, pensando em aventuras de adolescência, quase admirado de ainda existirem meninos fujões, não apenas os que fogem navegando pela internet. Meninos não me espantam. Espanto-me com mães rendendo graças por mortes de crianças, mártires de causas estúpidas.

Acredito, ainda, nos sonhos humanos de eternidade. Mas, talvez, os mundos de minha geração tenham sido pequeno demais, pois os meninos pulavam a janela, saltavam muros, iam-se embora, bastando-nos essa fuga para nos sentirmos verdadeiros donos do mundo. Nem era preciso ir muito longe. Bastava um aviso: “vou-me embora desta casa e não volto nunca mais.” Os pais davam de ombros, fingindo indiferença: “Então, arrume sua mala e vá embora já. Mas não demore muito para voltar.” Os meninos iam-se. E voltavam.

Até hoje, não me esqueci do perturbado Holden Caulfield, o garoto de “O Apanhador no Campo de Centeio” Em Caulfield, o escritor J.P.Salinger conseguiu retratar o adolescente universal, entre tímido e ousado, cruel e generoso, caótico. Mais de cinqüenta anos depois, o livro permanece atual. O mundo precisa de muitos Caulfields, indo sem querendo ir, ficando sem querer ficar. Mas é preciso repugnar-se com meninos que matam e com mães que se orgulham disso, essas loucas.

Ao longo da década de 1950, meados dos 1960, o sonho da juventude foi o de transgredir, caminhar, romper, atravessar barreiras. Como um relâmpago, James Dean surgiu e desapareceu. A brevidade de sua vida foi-lhe imortalizada na morte. Os moços passaram a ser rebeldes com causa ou sem causa alguma. A estrada era o caminho. A geração “beat”, antecedendo os “hippies”, enlouqueceu pais e famílias com drogas, conversas inúteis, entendendo-se apenas pela linguagem do jazz. O ídolo jovem, Jack Kerouac, parecia realizar o sonho “beat”, indicando o caminho da vida: “on the road”, o pé na estrada. Ninguém mais era fujão, pois todos pareciam ter fugido.

Minha geração teve paixão por Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cinfuegos, moços barbudos que nos incendiaram a alma. Depois de Sierra Maestra, estar na revolução era ser herói, santo e mártir. E o sonho de “pé na estrada” morava em Havana, nos canaviais de Cuba. Ouvi de meu pai: “Com tanto canavial em Piracicaba, por que você não corta cana por aqui mesmo?” E teria graça, sem Guevara por perto? No fim das contas, não cortei cana em lugar algum.

As diferenças são menos sutis: antigamente, havia meninos fujões, sonhadores, mas com pais sábios. Hoje, há mães loucas e meninos mortos. Fico agoniado. Não cortei cana, mas plantei batatas ao longo da vida. Descasquei abacaxis. Enfim, chegou-me a hora de apenas plantar. Flores. E bom dia.

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