Pedagogia do palavrão

picture (5)O uso do palavrão, se querem saber, antes de mais nada é uma arte. Não me esqueço de, em meu início literário – ainda na adolescência – conversar com velhos mestres a respeito da coloquialidade nos diálogos de personagens. Jorge Amado espantava os mais conservadores com linguagem que, diziam, era chula mas que, no entanto, apenas reproduzia a fala do povo. Combatido, estigmatizado também por seus posicionamentos políticos, Jorge Amado não era levado a sério num Brasil que fingia ser sério demais. Também na literatura, este era um país de farsas. Personagens usavam expressões típicas de salões refinados.

Não posso dizer com certeza se fui o primeiro, mas estou entre os que, no jornalismo, usaram um palavrão pela primeira vez. Foi muito antes de surgir “O Pasquim”, que revolucionou a linguagem também jornalística. E, dirigindo a Folha de Piracicaba – quase um garoto – não resisti à indignação de ver a miséria espalhando-se pelas ruas, crianças famintas, enquanto políticos, desde então, fingiam criar grandes projetos de serviço social. Numa croquineta neste mesmo espaço de “Bom dia” – que completou 43 anos de existência – não me contive e explodir: “este mundo é mesmo uma merda.” Palavrãozinho, hoje incorporado até entre madamas que se dizem refinadas.

Mas foi o escândalo. Um dos que protestaram – nunca mais me esqueci – foi o prof.Francisco Libardi, meu amigo, mas indignado com a falta de compostura de um desabafo tão chulo, em letra de forma: “o mundo é uma merda.” A discussão correu a cidade, foi parar até nos púlpitos, nos sermões dominicais de padres. Para piorar a situação, eu estava deixando o Partidão, mas era, anda, tido como um dos jovens comunistas da cidade. O meu, na verdade, era um vazio de alma profundo, sem ter em quê acreditar, esperanças socialistas e comunistas esmagadas, sem convicções religiosas. Foi, então – alguns anos depois, tive certeza disso – que D.Aníger entrou em minha vida. Ele saiu em minha defesa, sem me conhecer pessoalmente, sabendo de minhas tolices atéias, defendendo o uso do palavrão. E explicou uma certa arte de dizer as coisas, com ênfase e na hora oportuna. E no lugar.

Hoje, no entanto, palavrões banalizaram-se tanto que não há sequer a possibilidade de se refletir sobre uma possível arte de falar ou de escrever palavrões. A vulgaridade se tornou imperiosa e imperativa. E o palavrão se tornou parte de um cotidiano grosseiro, incivilizado, desrespeitoso. No livro “Dicionário do Dialeto Caipiracicabano”, registrei quase todos os palavrões que, no dia-a-dia da população, se repetem, multiplicando-se, renovando-se. Mas confesso minha inibição de falá-los, a não ser nas explosões incontroláveis diante, especialmente, da malandragem oficializada. Continuo acreditando que não há qualquer saída a não ser a partir do belo, do civilizado, do bom, do estético. O “obrigado” e o “por favor” são chaves decisivas na abertura, ou no fechamento, das relações humanas.

Pois bem. De Santa Catarina, vem-nos uma grata surpresa que, certamente, será motivo de polêmica ou questionada. Uma escola criou a já denominada “pedagogia do palavrão”: cada aluno que falar palavras chulas será multado em dez centavos. E o resultado começou a surgir: os próprios alunos, multados, perceberam a quantidade de palavrões que falavam a todo momento. Talvez, o mesmo pudéssemos fazer em relação a alguns de nossos programas de televisão, a alguns apresentadores. Que tal multá-lo por palavrão dito, por grosseria pronunciada, por vulgaridade divulgada? Não há aprendizado sem punição. E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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