Que rei sou eu?

Esse texto foi publicado em novembro de 1988 no semanário impresso A Província. Recuperamos para lembrar os 30 anos de atuação em Piracicaba.

Contentei-me, então, em ser Governador de São Paulo, pois eu poderia, então, reformar São Paulo. E mais um tempo passou. Passei a admitir a idéia de ser prefeito de Piracicaba, para reformular a cidade conforme minhas expectativas. Daí, comecei a sonhar com a construção do meu quarteirão, em harmonizar todas as famílias e vizinhos que viviam nele. O tempo passou.  

Passei a pensar que o importante mesmo era a construção de minha família, de uma família. E o tempo continuou a passar. Então, percebi que o mais importante de tudo era, na realidade, eu me descobrir a mim mesmo: como homem, como pessoa, como indivíduo, como ser humano. O que sou? Quem sou? Como sou? Para o que sou? Antigamente e na juventude, eu me maravilhava com as infinitas possibilidades da pessoa humana, com as nossas potencialidades de “reis do universo”. 

Era uma visão de super-homem, de um privilegiado diante de tudo. Hoje, o que me fascina e me abisma é a comovedora fragilidade de ser humano, a minha fragilidade, a grandeza emocionante da pequenez humana. Eu sou isso: apenas um ente vivo na fantástica epopeia da vida. Um ente vivo, humano, com outros bilhões de seres vivos humanos, vegetais, animais.  

O ser humano não tem nada de especial, a não ser pela própria importância que ele mesmo se dá. Nós nos damos importância demais, muito mais do que temos. E a água e o ar são mais importantes do que nós. Pois a água e ar existem sem nós, apesar de nós. E nós não vivemos sem eles. A flora, a fauna, o reino mineral — todos eles vivem sem nós, vivem apesar de nós. Continuariam existindo sem o ser humano. E o ser humano não existe sem eles.  

Que importância, pois, temos? Não há nada a dizer, nada há falar — a não ser as tolices com que tentamos justificar o fato de sermos nós, os humanos, apenas uma entidade em desarmonia com todo o resto. Estamos, até hoje e após bilhões de anos, discutindo formas e normas de convivência, discutindo direitos de uns e de outros, inventando regras para o bem e para o mal. Todo o resto do universo, no entanto, continua a sua caminhada harmoniosa sem filosofices.  

Lembro-me daquela música de Carnaval: “que rei sou eu?” É por isso que, quando envelhecem, as pessoas não deveriam mais ser jornalistas. Os jornalistas têm obrigação de falar, de ter ideias, de emitir opiniões. E os que envelhecem sabem que isso tudo é tolice. As coisas são como são. A vida não é o que criamos, nem o mundo é o que inventamos. A vida e o mundo são o que são. Por isso, são simples: a vida é apenas vida, o mundo é apenas mundo.  

Escrevo isso por causa dos jovens do PT. Tenho o dever e a obrigação de compreendê-los em sua exuberância revolucionária. Mas não tenho paciência de ouvi-los. Digo sempre, aos meus filhos, o que me parece ser a diferença essencial entre um jovem e um homem maduro. Diante de uma placa de trânsito impedido, o homem maduro dá a volta, contorna, pois sabe que o trânsito está impedido. O jovem, não. O jovem quer ver com os próprios olhos se o trânsito está mesmo impedido. Vai em frente, depois tem que voltar. Eu não posso tornar-me burro apenas para agradar alguns jovens. O meu tempo de burro passou. Bom dia. 

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