Questão vocacional

De quando em quando, alguns jovens se aborrecem comigo quando insisto na questão vocacional, esse mistério que chama e que empurra pessoas a atividades e profissões por vezes tidas como absurdas, loucas, sacrificadas.

Costumo dizer essas coisas sobre o jornalismo, a literatura, o mundo das artes. Não basta apenas talento, há que se ter vocação, bato nessa tecla. O talentoso sem vocação desiste. Mas o vocacionado sabe até superar as deficiências do talento e continua.

Ora, eu sei que é difícil falar dessas coisas em um tempo pragmático, em que todos os esforços têm que produzir resultados, a sociedade quantitativa. A luta ou o ideal que não resultar em dinheiro, esses não valem nada, quase que uma loucura ou uma idiotice. “O que é que eu vou ganhar com isso ou nisso?” — eis a pergunta que mais se faz diante de qualquer idéia ou projeto novo.

O tempo e a vida, no entanto, me têm ensinado que o ser humano mais infeliz é exatamente aquele que foge à sua vocação, seja ela qual for. Digamos que seja um sonho.

Mesmo que se passem necessidades, é preciso ir em busca dele, para se sentir feliz. Se se foge do sonho, em troca de bens mais fáceis e seguros, a infelicidade se instala no coração e não há força ou remédio que a tire. Fiquei pensando nisso, séria e tristemente, numa conversa com o meu editor em São Paulo.

Uma vez eu me sentia feliz e orgulhoso, envaidecido, por ser uma grande editora que se entusiasmara com um livro de minha autoria. E lá estava o livro pronto, um trabalho gráfico maravilhoso. Então, o editor me perguntou se eu fizera os cálculos de qual a porcentagem que ganha o autor de um livro no Brasil. Eu sabia: eu poderei comprar um masso de cigarros a cada quatro livros que forem vendidos. Ou seja: será preciso vender 40 livros para eu comprar um pacote de cigarros. E eu levei oito anos, oito longos e sofridos anos para escrever aquele livro. Olhamo-nos um para o outro, o editor e eu. E rimo-nos.

Os que fazem cálculos de custos e benefícios jamais entenderão que um editor coloque dinheiro e sua empresa em uma finalidade de prejuízo certo ou que um escritor dê tantos anos de sua própria vida para, por livro, não ganhar nem para comprar seu maço de cigarros. Mas, por incrível que pareça, estamos felizes: ele, por editar; eu, por ter escrito.

É isso que eu tenho tentado dizer aos jovens, mesmo que eles se aborreçam. Há atividades que não dão lucros materiais, que tornam até difícil a sobrevivência. Mas, se há uma vocação, infelicidade maor será viver distante dela. Na vida, há que se fazer aquilo que os dá a certeza de estarmos vivos. Nem que seja para morrer de fome. E bom dia.

Deixe uma resposta