Quem já foi não mais será

Parece uma fatalidade cíclica ou, na verdade, apenas uma tragédia política das nossas próprias origens coloniais, patrimonialistas. Mas o fato é que a representação política no Brasil – em todo o Legislativo nacional, incluindo municípios – tem sido mais um caso de polícia do que de política. A apropriação do público por grupos políticos privados ultrapassou a medida do escândalo para se caracterizar realmente como tragédia. Os episódios do Senado não são causa, mas conseqüência. E não se trata apenas de Senado, mas do Congresso como um todo, apesar de pausas dadas à Câmara Federal, e o Legislativo como instituição democrática que se revela falida.

O senador Heráclito Fortes, num acesso de sinceridade, confirmou à Nação, ao falar a seus pares: “Não há exceção. Somos todos culpados, os senadores, por omissão e conivência.” Isso caracteriza a formação de quadrilha, de bando, de crime organizado. E a nação, com falsa ou verdadeira indignação, mostra revolta e desprezo para, em seguida, retornar ao seu cotidiano forjado pela corrupção, pela desonestidade, pela ausência de perspectiva. A grande questão brasileira – é preciso coragem de admiti-la – é de ordem moral. Enquanto ficamos falando em ética – ética profissional, ética disso e daquilo, incluindo a ética que bandidos também criam para suas atividades – passamos a ter receio de nos referir à dimensão correlata: moral. A questão é moral, no seu mais profundo sentido.

Mais uma vez, como um destino cíclico, o Brasil procura caminhos no desprezo à classe política, que se transformou em bando. Muitas vozes, desanimadas, se equivocam, questionando a razão de ser do Legislativo. É um erro que pode ser fatal. Pois é preferível um Congresso corrupto a um Congresso fechado; é melhor tenhamos câmaras municipais corruptas do que fechadas. Por isso, a resposta está no próprio povo, que precisa depurar-se de vícios e hábitos antigos para tomar atitudes cívicas radicais. Uma delas é não mais se permitir fazer parte de rebanhos de currais eleitorais, pois eles existem sob outras formas: currais de pastores evangélicos, currais de sindicatos, currais de comércio de votos e empregos. Se o voto vale um favorzinho, então não vale nada.

Em política, a experiência e a longa permanência em cargos são, ao contrário de atividades liberais na vida profissional, o caminho ideal para a corrupção. Advogados, médicos, dentistas, jornalistas – citemos algumas atividades – aprimoram-se com o exercício prolongado da profissão. Política, no entanto, não é profissão, mas representação e serviço. Por isso, quanto maior a experiência do representante, mas ele sabe do caminho das pedras, mais sabe dissimular e simular, mais conhece os meandros da corrupção, pois o poder corrompe. Políticos, com muitos anos em cargos, são raposas no galinheiro, cabras na horta, lobos envelhecidos que até podem perder o pelo, mas que não perdem o vício. Pelo contrário, aprimoram-no.

Se o Congresso não nos dá uma honesta, decente e legítima reforma político-eleitoral, o povo deve e precisa começá-la, especialmente agora que a internet se nos apresenta como o insuperável meio democrático de comunicação e de troca de idéias. São muitos os grupos que se formam para debater, para protestar, para comunicação por assim dizer virótica, que se espalha. Um de nossos lemas deveria ser: “quem já foi não será mais.” Como admitir vereadores, deputados, senadores com 20, 30 anos de atividades, reeleitos nem sempre a partir de métodos legítimos, quase sempre aproveitando-se da indiferença do povo?

Há indignações quando se fala em outra reeleição do presidente da República, de governadores, de prefeitos. Tornou-se quase dogma que oito anos na administração são mais do que suficientes para um governante. Por que não o mesmo para o Legislativo? Por que não se refletir mais quanto a indicações políticas para o Supremo? Os poderes da frágil democracia brasileira estão corroídos. A reforma, a reestruturação, a mudança, a grande revolução começam pelo município. É mais lógico, mais fácil, mais rápido um eleitor vigiar o seu vereador e o seu prefeito – que estão ao alcance do olhar – do que fiscalizar Brasília. E o mesmo vale para jornalistas e colaboradores de jornais que têm usado de um estratagema ardiloso mas apenas esperto, sem consequências. Nas cidades interioranas, eles discutem, gritam, esperneiam diante do que ocorre em Brasília e, paradoxalmente, se calam e se acovardam diante das infâmias que acontecem debaixo de seus narizes. No fundo, trata-se de uma covardia desprezível. Bom dia.

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