Romance, vinho e cachaça

picture.aspxQuando percebi, lá estava eu procurando um bom vinho, quase envergonhado de pouco saber dessa bebida sagrada. Basta-me gostar, não preciso entender. E, então, à procura do vinho, voltei a dar-me conta de quanto viver é divertido. Muito. Muitíssimo. Basta não se levar nada muito a sério.

Nessa festa da vida, o jornalista do cotidiano é o escriturário que vai registrando a crônica da história humana. Tal e qual num cartório, pois o mundo brasileiro é cartorial. E, por cartorial, entendam-se, também, a formalidade, a regra, a norma, a burocracia. Quanto mais regras e normas, mais burocratas. E, na vida do cotidiano, mais farsas e farsantes.

Na escrituração do dia, o escrivão do jornal – como o tolo escrevente da Corte – anota cada novidade do cotidiano. São, quase sempre, modismos, ridicularias, promovidas pelos sempre reciclados “nouveaux riches”. Nos últimos tempos, o modismo passou a ser a grande aventura que a indústria vinícola tenta impor ao Brasil: a dos vinhos. É óbvio: um bom vinho é bom. Mas é especiaria que ainda não faz parte da cultura brasileira. Mas há um mercado que – dentro em breve, chegando a 250 milhões de consumidores – não é para se jogar fora.

Lembro-me, nos meus tolos tempos de relações políticas, o que ouvi do Horácio Coimbra – magnata do café solúvel – em exposição que fazia ao todo-poderoso Delfim Neto. Ele imaginava mudar hábitos da China, introduzindo o cafezinho. Refletia, embevecido: “Imaginem se cada chinês passar a beber duas xícaras de cafezinho por dia…” Vinicultores pensam o mesmo em relação ao Brasil.

 

E o público-alvo não podia ser mais atraente: homens e mulheres acima de 40 anos, preferencialmente descasados ou viúvos ou simplesmente mal-amados. Praticamente todas as revistas masculinas e femininas abrem reportagens sobre o vinho, como se fosse descoberta recente e não a milenar e milagrosa bebida ancestral. Tornou-se chique mostrar homens desparceirados bebericando vinho como se o desgustassem, apresentando-os como “sommeliers”, na ridícula ilusão de que a “sommellerie” pode acontecer de repente. Ou que se criam enólogos em passes de mágica.

Os publicitários, porém, sabem das coisas. Há um público que não resiste: mulheres desparceiradas e/ou mal-amadas, que se encantam com homem que finge entender de vinho. Elas se fascinam facilmente: uma boa conversa, a citação de um autor, a narrativa de uma viagem, uma excentricidade qualquer tal como uma ilha deserta e o amor eterno. O imaginário delas fervilha: alguém com “rôbe-de-chambre”, luz de velas, Bach perpassando o ambiente, até mesmo um Inverno artificial se for o caso, copos de vinho que já se vendem como raridades e a garrafa sedutora. Para seduzir mulher sedenta e faminta de romance, não há fórmula mais adequada: m bom vinho, uma boa cantada e, depois, Deus que os ajude… SE houver fracasso, não se culpe Dioniso. Pois brincar de deus não é para qualquer um.

É esse o novo espetáculo que se vê em restaurantes da moda: saiu a Sidra, entrou o champanha.. Ao melhor estilo de Rodolfo Valentino, os mal-amados fingem o estilo de sempre, o canastrão. Mas, desde Greta Garbo, sempre houve mulher querendo parceria com canastrão.. No entanto, é a velha e imbatível caipirinha que continua encantando os “sommeliers” do mundo todo. Foi o que já revelou, para uma revista brasileira, um dos maiores deles, o francês Eric Baumard, que confessa nunca ter-se esquecido do sol brasileiro, de “coquetel com cachaça”. Na França, talvez ele seduza mal-amadas com caipirinha… Viver é divertido. Bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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