Sabores e saudades

SaboresDizem que, à medida que vamos envelhecendo, a saudade aumenta.Acho que deve ser verdade, pois, de minha parte, tenho sentido muita saudade conforme o tempo passa. Não de pessoas, mas de situações, de momentos, de circunstâncias, até mesmo de épocas. Agora, deixe de ter saudade de sabores.

De quando em quando, vejo-me perguntando à cozinheira: “você sabe fazer arroz doce?”. Ora, não é vontade de comer arroz doce, mas saudade do

seu sabor, um sabor de infância ou de adolescência. “E torta de maçã, você sabe fazer?” – já perguntei também. Por sorte minha, ela sabia e, então, me vi comendo arroz doce e torta de maçã para matar saudade.

Comi pão com banana, também uma saudade. E pensei muito em pão com ovo frito, feito sanduíche. Ou pão com goiabada. Banana com aveia. Há algum tempo, sabendo de algumas de minhas saudades, dona Nenê me convidou para ir fazer um lanche na casa dela, café, leite, bolo de fubá — e eu matei a saudade de um tempo em que havia lanches à tarde e nós as crianças voltávamos para nossas casas ou ficávamos nas casas dos amigos, um ritual. É a velha história dos sabores de infância, que ficam, que permanecem. Não há nem a vontade de comer, mas o desejo do sabor, do cheiro, como se fosse um tempo que ficou e que marcou.

Se saudade aumenta com a idade que vai passando, estou mesmo envelhecendo. Pois voltei a tomar Cuba Libre, aquela bebida dos jovens da segunda metade dos anos 50. Rum, Limão, Coca Cola. E, quando preparo o meu copo e tomo o primeiro gole, sou levado pelo paladar, até o velho “Giocondo” -que, depois, se tornou “alvorada” — e me lembro de amigos, das intermináveis discussões políticas, de ideais universitários, das confidências de amores sofridos. E me lembro do Tanaka, bendito seja, então garçom no “Giocondo”. Ah! quanto prejuízo o velho Tanaka deu ao Oscar, o japonês; e, no entanto, que grande amigo foi ele dos moços daqueles tempos, acho que todos os tempos. O Tanaka trazia duas ou três “Cubas Libres”, marcava apenas uma. E havia noite –ou muitas noites, em que ainda dependirávamos. Pois é. Saudade de velho dói. Bom dia.

Publicado originalmente na Tribuna Piracicaba em 12/03/93

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