Sem pão, sem circo

picture (39)As “Sátiras” de Juvenal são, na literatura latina, uma das mais ricas fontes de uma época em que se acentuou a decadência romana. Foi ele quem, lamentando-se da deterioração do povo, falou em “panem e circenses”. Que bastavam o pão e o circo para contentar a plebe. Juvenal não pôde prever que sua avaliação serviria, através dos tempos, quase que como regra para administradores ineptos ou impotentes tentarem manter-se no poder. À falta de grandes serviços, de administrações arrojadas e sérias, sempre se deram – ao povo e em momentos de crise – a festa e o naco de pão. Governos demagógicos e populistas esmeram-se em acenar com o atendimento de necessidades básicas e diversões populares.

Com políticos, minha quota de paciência ainda não se esgotou. Pois sou homem de esperanças. Mas estas já não são mais as mesmas. Ainda estou aguardando o cumprimento da promessa de Lula,feita em tom profético, dizendo que não descansaria enquanto o povo não “comesse três vezes por dia”. Num país miserável e faminto, o anúncio do “panem” – por um líder que chegou ao poder como que carregado pelo povo – soou verdadeiro. Um tremor de mobilização nacional pareceu despontar. Tem sido, porém, um soluço.

Nos municípios e nas prefeituras, repete-se o mesmo. O elemento “panem” ainda não apareceu. No entanto, esbanjam-se, ainda que de forma discutível, o “circenses” dos governos que, em escala ascendente, vão desde o município à esfera municipal. Quando há obras de engenharia muito visíveis – pontes, abrigos, ampliações de avenidas – ficam rastros de suspeitas. Lembremo-nos de Paulo Maluf, um dos grandes obreiros do Brasil. Não há corrupção sem obras materiais. Lula, por enquanto, tem a vantagem de ser genuinamente homem do povo. Por isso, quando ele fala em educação para os humildes, ele fala do que sofreu na carne; de fome para os famintos, do que ele viveu. Nele, há que se ter, ainda, esperança. Em obreiros envolvidos em denúncias e suspeitas, nesses há que se abrir os olhos.

Nos municípios o “panem” é pouco, o “circences” se vai arrastando de forma mambembe e, não fosse a grande atuação do Sesc na promoção das artes e do lazer, o povo estaria também à míngua. No governo federal, fala-se, agora, do afastamento do ministro Gilberto Gil, a figura mais – para se usar palavra de que Lula gosta – aloprada do governo. O circo e a festa pareciam ótimas. E nunca, como neste governo, houve um ministro tão adequado a essa filosofia medíocre como o animador Gilberto Gil. Pois Gil nunca foi ministro de nada, mesmo porque o Ministério da Cultura nunca passou de uma ficção. E, nessa ficção, Gilberto Gil revelou o seu talento admirável para animador de auditório, representante de uma cultura não se sabe mais se “pop”, “funk”, “rave”, que diabos sejam os rebolados e requebros que o antigo tropicalista faz.

O Brasil foi uma grande diversão, um grande circo, que Piracicaba não teve. Com Gilberto Gil, nunca se soube se era o cantor ou o político que estava no ministério, mesmo porque ele misturou tudo: como ministro fez shows, como showman tentou ser ministro. Mas foi engraçado. De minha parte, eu prefiro, como distração e talento, o Ney Matogrosso. E Piracicaba, na área cultural e de entretenimento, pode-se rir-se não do que se faz, mas do que não existe. Se “panem et circenses” são o mímimo para manter o povo assossegado, estamos às vésperas de uma grande crise. E bom dia. (Ilustração: Araken Martins.)

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