Unimep e a insustentável leveza do ser

UNIMEPPenso comigo mesmo no porquê de não me ter chocado o anúncio da venda da UNIMEP, a universidade que é metodista mas, também, de Piracicaba. Foi como que uma morte anunciada, ainda que ela continue a existir. Mas é morte. Sentimental, emocional, espiritual, como um filho que nos é arrancado dos braços e transferido para outros pais. A criança poderá até mesmo estar melhormente agasalhada, alimentada – mas não terá o amor verdadeiro daqueles que a geraram. Perder um filho vivo é, talvez, mais doloroso e dramático do que perdê-lo para a morte. Suponho.

Um fantasma persegue a UNIMEP desde quando de sua concepção. Antes de ser gerada, a universidade mobilizou a alma piracicabana. Pois, desde o início do século passado, o 20, Piracicaba já sonhava com um centro superior de educação, ambição de uma terra tida como o Ateneo, a Atenas Paulista, cidade da cultura e das artes. Tanto assim foi que, em 1922, intelectuais piracicabanos criaram a Universidade Popular, um centro de estudos e de difusão do conhecimento aberto à população. Foi iniciativa inédita no Brasil, confirmando o pioneirismo cultural e material desta nossa heróica terra.

O sonho de uma universidade própria, com raízes piracicabanas, acompanhou-nos ao longo da história. A partir daquela iniciativa, sonhar foi um querer incontrolável. Nos 1960, os deputados Domingos Aldrovandi e Salgot Castillon apresentaram à Assembléia Legislativa a   proposta da criação da Universidade Luiz de Queiroz, onde já estava a ESALQ. Mesmo aprovado, o projeto não vingou, pois – com razão – professores e intelectuais protestaram contra o pretendido desligamento da USP. Já tínhamos, com recursos próprios, a Faculdade de Odontologia, depois encampada – apesar de tantos protestos – pela Unicamp. Criamos as faculdades de enfermagem, de serviço social, de engenharia, a Fundação municipal de ensino.

Foi em 1964 que a Igreja Metodista – com amplo apoio de empresários e da comunidade piracicabana – criou a Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Econômicas, a ECA. Lá estavam o Rev. Crysantho César, e o sonhador e incansável Gustavo Alvim. Estava plantada a semente da UNIMEP, que surgiu a partir da ação visionária do metodista Richard Edward Senn, um estadunidense desbravador. O dr.Sen, no entanto, lutou para que a universidade não  levasse apenas a chancela do Metodismo. Para ele, teria que ser – e foi – a Universidade Metodista de Piracicaba.

Quantas lutas, quantas crises, quantos obstáculos a se superarem, quantos conflitos, quantas dificuldades! “Vender” a universidade foi uma tentação por assim dizer cíclica. Mas a resistência era maior, a inabalável certeza de que o sonho se tornara real e não poderia ser objeto de mercado. Mais lutas, mais crises, mais derrotas e, por outro lado, grandes, imensas vitórias. Há poucos anos, quase tudo explodiu. Um reitor – acreditando-se dono da universidade e da própria igreja – quase a destruiu. Não o conseguiu, mas abalou-lhe os alicerces, que tinham sido construídos com aquilo que Churchill propôs para a derrota das tiranias: “sangue, suor, lágrimas e trabalho.”

Enferma, a UNIMEP sobreviveu. Novamente sob a reitoria de Gustavo Alvim – o homem que a protegeu nestes todos 50 anos – a universidade vê-se qualificada, em nível de excelência e como instituição particular, como a segunda do Estado.  Uma grande e poderosa universidade piracicabana! Mas com enfermidade congênita. A alma e os suores e o sangue de Elias Boaventura, de Almir de Souza Maia, de Clóvis Pinto estão naqueles corredores, naqueles gramados, naquelas salas – protegidos por Gustavo Alvim. À distância, sinto ser um velório. Ela sobreviverá, poderá até mesmo tornar-se maior. Mas é um filho piracicabano que passa a ser educado por estranhos. Dói.

Quando Milan Kundera escreveu o livro “A insustentável leveza do ser”, a sua mensagem não chegou a ser totalmente compreendida. No romance político, pintalgado de erotismo, Kundera quis mostrar que, na vida, aquilo que amamos com leveza e encantamento acaba se transformando num peso insuportável. Se mudarmos os personagens humanos para uma instituição, talvez pudéssemos, nessa hora triste, compreender que a UNIMEP muda por causa de sua própria insustentável leveza de ser. Piracicaba poderia tê-la tornado mais concreta e menos idealística, mas não o fez. A leveza, enfim, pesou. Insuportavelmente. Que pena! Mas que tenha vida longa. Bom dia.

2 comentários

  1. Victor Kraide Corte Real em 08/08/2014 às 19:50

    Bom dia meu caro Cecílio (ou boa noite, já que escrevo depois das 19h).
    Dói, e como dói. Sou um filho da Unimep, ex-discente e atual docente da Metodista de Piracicaba e lamento muito passar por mais um momento duro como esse. Sinto que a maior dor, na verdade, é consequência da dúvida, da falta de informação e de transparência diante de tudo que foi noticiado nos últimos dias.
    Aqui dentro da Universidade, tanto alunos como professores, não entendem e não sabem o que vai acontecer. Não sabemos, sequer, o quanto dessa “venda” (entre aspas e suposta) vai de fato ocorrer. Pois comprador mesmo, ninguém sabe e ninguém viu.
    Forte abraço.

  2. Idico Luiz em 11/08/2014 às 16:37

    Será que a natureza já sabia de algumas transações? Pois as águas de março não fecharam o verão e o inverno não ventou gélido nos corpos das pessoas e, agora, que se aproxima a primavera, vê-se um nuvem escura sobre a UNIMEP, será que tudo desabará em só momento sobre nossa querida Piracicaba. Aguardemos.

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