Viver sua esperança pessoal
O que é viver uma esperança pessoal? É tentar construir um mundo interior, apenas isso. Apesar de tudo e de todos, incluindo a realidade exterior. Não se trata de fugir ou de alienar-se, mas de evitar o contágio. Há um ambiente do espírito e este, também, pode ser poluído. Viver uma esperança pessoal é lutar contra essa poluição interior, é impedir que aconteça ou, então, se for absolutamente inevitável, que essa poluição do espírito seja a menor possível.
Fica-se um marginal, sim, no sentido de colocar-se à margem. Mas se consegue manter a sensibilidade viva, preserva-se a capacidade de admirar e de indignar-se. A luta passa a ser outra, uma luta por dentro. Vê-se, então, o mundo exterior como ele o é na realidade, não como as sociedades humanas o estão construindo, essa construção de destroços.
Viver uma esperança pessoal é conseguir manter íntegra a sua própria capacidade de opção, de escolha, indo sem ser levado, caminhando sem ser empurrado, pensando com a sua própria inteligência que, então, seria formada não apenas pelas razões que a razão apresenta, mas, tambég1, pelo coração e pela alma.
É mais gratificante errar quando se ouve o coração que se opõe à razão, do que errar com a razão, deixando de ouvir o coração.
Com o tempo, aprende-se a ouvir o coração, a acreditar nos instintos. Hoje, falar do instinto é o mesmo que anunciar a barbárie. Mas não é isso. O ser humano é instintivo e a própria solidariedade nasce do instinto humano, de um princípio natural.
Construir uma esperança pessoal está em saber que os instintos existem e, então, harmoniza-los com a razão. Parece ter sido esse um ideal de sociedade humana, mas não se conseguiu realizá-lo.
Pode-se faze-lo, no entanto, em nível pessoal. Ninguém é obrigado a ter isso como verdadeiro ou como possível, mas eu, de minha parte, não me sinto, também;obrigado a participar de suicídios coletivos.
Uma vez, encontrei-me com um velho e querido amigo, na época, já um ancião. Um homem que lutou a vida toda, que se deu pela família e pela sociedade. Ele estava, no entanto, infeliz. Viúvo de mulher viva, sua alma e seu corpo pediam amor, carinho, ternura. Ele já havia encontrado quem lhe desse essa alegria e, no entanto, teve que renunciar aos últimos fiapos de um pequeno tempo de felicidade. Por quê? Porque haviam dedos que o acusavam, bocas que o recriminavam, pessoas que lhe cobravam satisfação. Aquele meu amigo se recusava a construir o seu mundo interior, a viver a sua esperança pessoal. E estava esmagado, destruído, dando satisfações a pessoas que não o amavam, pois, se o amassem, haveriam de entendê-lo, mesmo que não compreendessem. Não se constrói essa esperança pessoal ferindo os outros. Mas ela, também, não será construída se permitirmos que os outros nos firam. E bom dia.