“In Extremis” (177) – Militarismo, doença ou vício?

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(Imagem de OpenClipart-Vectors, por Pixabay)

Na ordem política universal, o militarismo é enfermidade capaz de atacar toda estrutura democrática de governo. Militarismo e tirania são irmãos siameses, apenas separáveis através de cirurgias definidas e eficientes. E, nas sólidas e verdadeiras democracias, eleições livres e periódicas são os anticorpos, bisturis. O Brasil não tem, ainda, uma democracia sólida, que é construção permanente. Vivemos o difícil aprendizado que se fortalece eleição por eleição. Mas ameaçado sempre.

Os séculos de governo monárquico absolutista parecem ter-nos acostumado com autoridades personalistas. Pois monarquia absoluta é o governo de um só, passível, portanto, de configurar-se em tirania. Militarizar o governo nada mais foi, ainda na época feudal, do que a lenta transformação de milícias de cidadãos em soldados profissionais, ainda na época feudal. Novos tempos, porém, levaram às transformações monárquicas, muitas delas democratizadas a ponto de criar-se a frase significativa: “o rei reina, mas não governa”. O insuperável Ruy Barbosa não pregou apenas a República, mas a republicanização da Monarquia, esta que ele não desdenhava.

O militarismo ameaça democracias imaturas. E o Brasil é uma delas. A República brasileira nasce sob o signo militarista. O Marechal Deodoro e os também militares Benjamin Constant e Floriano Peixoto derrubam D. Pedro II. Deodoro fracassa como governante, renuncia e Floriano apodera-se do cargo.  No poder, militares também não se entendem entre si. Nos 1920, surge o “tenentismo”, rebeliões militares. O capitão Luiz Carlos Prestes cria a famosa Coluna Prestes e adere ao Comunismo. Em 1930, civis e militares derrubam o presidente Washington Luiz e levam Getúlio Vargas ao poder. Em 1932, a revolução paulista reivindica a Constituição. Em 1935, o chamado “putsh” comunista; em 1937, Getúlio impõe uma constituição ditatorial, “a polaca”. Vem a Guerra e, em 1945, Getúlio é deposto. Por militares. Embora Getúlio fosse de tal forma apaixonado por militarismo que ele próprio costumava usar farda.

Na república do pós-guerra, o primeiro presidente é militar: Eurico Gaspar Dutra. Outras lideranças militares despontam: Brigadeiro Eduardo Gomes, Juarez Távora, Góes Monteiro, Cordeiro de Farias, Teixeira Lott, alguns deles. Getúlio volta ao governo em eleições livres, mas suicida-se em 1954, após crises intermináveis. A sucessão é dramática, com militares contestando a posse dos substitutos constitucionais. Em 1955, Juscelino Kubitschek é eleito, mas sua posse é contestada por militares alegando o de sempre: Juscelino é comunista.

E a saga democrática continua. Jânio Quadros é eleito, tenta dar um golpe, falha e renuncia. Seu vice é o latifundiário João Goulart, que militares também tacham de comunista! O diabo fica solto. Inventa-se o parlamentarismo. Faz-se, em seguida, plebiscito e retorna-se ao presidencialismo. E, então e enfim, a vitória militarista apoiada por civis: o diabólico golpe de 1964. Vivemos 21 anos de ditadura com presidentes radicalmente militares: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e o caricato João Figueiredo.

Na realidade política brasileira, a presença de militares sempre surgiu com o apoio ou apelo de lideranças civis incapazes de propor regime e sistema com identidade nacional. Grupos deles pareciam arrogar-se, no mínimo, como um “poder moderador”. E, quando os civis se organizaram, tornou-se muito difícil fazer com que eles retornassem às casernas. Parecem ainda querer: Jair/Mourão e, agora, o desacato de Jair/Braga Neto.

Seria doença ou vicio?

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