“In Extremis” (184) – Criança, música, flor…

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(imagem: OpenClipart-Vectors / Pixabay)

A meu canto de viver, chegam vozes de crianças. E misturam-se à maviosidade da música que encanta o silêncio. São gritinhos, gargalhadas, bravezas infantis. Emociono-me de uma saudade generosa. E as lembranças alcançam quintais da infância de meus filhos, dos cinco, aquele caos que, ao mesmo tempo, alegrava e exasperava. Então, Vinicius volta a falar-me aos ouvidos da alma: “Filhos…  Filhos? Melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-lo?”

Tolice de nosso poetinha. Filhos são o que nos aprisiona o coração, de amor sem dimensão e de preocupações sem fim. Ter filhos é ganhar o mais profundo da vida e, ao mesmo tempo, perder-se de si mesmo. Ora, jamais saberei definir ou explicar sentimentos. Pois não os entendo: preenchem a existência e, também, deixa-se de tê-la para si mesmo. Parece ser um sair de si para estar neles. Para sempre.

Mas eis, então, nessa crise que ainda nos castiga – de nós, exigindo profundas reflexões – a infantil gritaria, que ouço, soma-se à quietude e mornidão de sons eternizados de Beethoven, Bach, Mozart. Como viver sem música? Há-se de ser tolo ou endoidecido quem – diante do caos de motores, de ruídos infernais – não se recolher, pelo menos por alguns momentos, no refrigério dos sons harmoniosos. Alguns deles, divinais.

Que pena, ignorarmos ou desprezarmos tantos dons da Vida, amargurados em sofrimentos que poderiam, sim, ser amenizados! E que loucura maior é acreditar que viver é estar “num vale de lágrimas”. Lágrimas há. Dores também. E lutas e enfrentamentos muitos deles mais criados pelo próprio homem do que pela natureza. Fosse verdade viver seja apenas sofrimento, por que, então, ter filhos? A vida é aventura, um carrossel onde tudo acontece.

Há quem diga – se possível fosse ter outra vida – viria a fazer tudo o que fez ou tem feito nesta. Que me perdoem, mas me parece tolice imensa. Pois, por mim, quanto não deixaria, eu, de fazer! Ou não teria feito. Ou faria muito e muito do que não fiz. Jamais, por simples exemplo, eu teria duvidado – como vezes muitas duvidei – de haver um Criador, uma primeira causa, um primeiro princípio E, então, mais e mais vezes, daria graças por ser convidado a participar da fantástica experiência que é a Vida.

Crianças com suas adoráveis irresponsabilidades, a música que acalenta, que também maltrata o coração por tristezas acontecidas… E a flor? Uma só flor, uma única flor e eis que ela se destaca em meio a urtigas, a pedras, a matagais. É como se anunciasse o milagre do belo que nasce até mesmo dos pantanais. Parecem – elas, as flores – anúncios vívidos de esperança, conselhos sorridentes para animarmo-nos em momentos desalentados.

O mais sábio e realizador dos prefeitos seria aquele – em meu esperançoso entender – que abrisse espaços festivos para as crianças exercitarem a alegria de viver. E que – pelo menos, nas esquinas centrais da cidade – fizesse fruir música suave, inspiradora, confortante. E que estimulasse cada residência, cada casa comercial a colocar vasos de flores em janelas e portas. E canteiros em ruas da cidade. Para, então, renascer a serenidade e despertarmos para a nobreza da coexistência comunitária.

Há muitos e muitos anos, uma grande cidade, Amsterdã, recusou-se a ser derrotada pelo materialismo desumano. E, decidida a encantar a população, começou com uma simples iniciativa: trouxe, à praça, o homem do realejo. Moços, crianças, idosos começaram a buscar o que o realejo lhes dizia. E a ouvir. E Amsterdã viu o sonho retornar. Como já nos anunciara Tolstói: “A beleza salvará o mundo”.

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